segunda-feira, outubro 30, 2006

contar histórias

uma das maiores frustações que nós tinhamos com o pedro era não lhe conseguirmos contar histórias. os nossos outros dois filhos foram "inundados", fazia parte do ritual de deitar. cientes da importância que as histórias têm para o imaginário da criança e no contacto com os livros, tinhamos pena que o pedro estivesse a perder essa parte da infância. já tinhamos visto algumas histórias em língua gestual portuguesa, mas todas demasiado complexas para o pedro. mas graças à blogosfera isso acabou. esta amiga recomendou-me o site do professor goulão e lá encontrei a história da branca e do gato, além de links para outras histórias. a história da branca e do gato é extremamente simples, construida com gestos do dia-a-dia e já bem conhecidos do pedro. copiei as imagens, desenhos para um lado e gestos para o outro, e construí dois livrinhos. desde ontem à noite temos um novo ritual. obrigado maria. funcionou.

domingo, outubro 29, 2006

o nosso pedrocas

afinal quem é o pedro? descrevê-lo apenas como sendo surdo e com paralisia cerebral é muito vago. além disso é muito difícil descrever qualquer pessoa, e o que vou escrever a seguir, claro que o pedro é muito mais do que isso, mas vá lá, vou tentar...
a surdez é profunda, apenas responde a estímulos sonoros muito graves e é difícil perceber se reage ao som ou à vibração que esses sons produzem, mas tem consciência da sua voz, usa-a para nos chamar. gosta também de sentir a vibração das nossas cordas vocais. comunica por gestos e por expressões. conhece bem os gestos associados às situações do dia-a-dia e os que designam os familiares e os amigos, além do seu nome gestual.
quanto à paralisia cerebral, o seu espectro é muito vasto, vai desde a lesão num dedo ou numa mão até à tetraplegia (impossibilidade de movimentar qualquer parte do corpo). no caso do pedro, tem uma tetreparesia (dificuldade nos movimentos dos quatro membros) muito assimétrica, que na prática se comporta como uma hemiparésia direita. quer isto dizer que o seu lado esquerdo é bastante funcional, e tem mais dificuldades no direito. durante muito tempo não utilzava o lado direito, esquecia-se dele, mas à custa de muita estimulação, lá conseguimos que ele o incorporasse no seu esquema mental e o utilizasse, quando precisa. em termos de motricidade fina, utiliza sempre o lado esquerdo. come sozinho (é um "bom garfo"), sabe sentar-se bem, gosta de andar de triciclo (adaptado, claro) e com o andarilho corre a casa toda. sem apoio faz pequenas caminhadas. o maior problema em termos motores é a perna direita. os músculos da parte de trás são espásticos e temos que forçar a extensão completa. para andar tem umas botas adaptadas que lhe dão alguma estabilidade. também tem feito francos progressos em termos de equilíbrio, com a ajuda da hipoterapia. por vezes está mais hipotónico no tronco, mas isso depende dos dias.
emocionalmente, é um menino estável, confiante, carinhoso, bem disposto e traquinas. é teimoso, por vezes faz birras, mas "leva-se bem". adora o nosso cão e o nosso cão adora-o também. e que bem que os animais fazem a estas crianças. como qualquer menino desta idade, as suas brincadeiras preferidas são os carrinhos e jogar à bola. é uma alegria vê-lo apoiado nas costas do sofá da sala a dar chutos na bola.
por vezes é preguiçoso, tudo o que fizerem por ele, ele não faz, mas nós não vamos em "cantigas"...
apesar da surdez, é bastante comunicativo e sociável. mete-se com desconhecidos nos sítios públicos. adora toda a sua família e os amigos. com a sua maneira de ser, tem conquistado o seu espaço em todos os contextos em que tem estado inserido e cativa realmente as pessoas.
é este o nosso menino, o nosso pedrocas...

quinta-feira, outubro 26, 2006

cooperação precisa-se

tinha que ser!!! já estavamos à espera... o pedro entrou este ano para o primeiro ciclo. por causa da surdez, está integrado desde o pré-escolar na unidade local de apoio à criança e jovem surdo. mas o pedro não é um surdo como os outros, por causa da paralisia cerebral. desde o princípio que nos apercebemos que ao nível dos terapêutas e educadores, quem percebe de paralisia cerebral não percebe nada de surdez, e quem percebe de surdez não percebe nada de paralisia cerebral. mesmo assim tivemos sorte durante o pré-escolar. alguns terapêutas dispuseram-se a aprender os rudimentos de língua gestual portuguesa de modo a comunicarem com o pedro, mas nem todos. e as coisas mais ou menos funcionaram em termos de coordenação entre as duas vertentes. tivemos também sorte porque a educadora do ensino especial da unidade de surdos já tinha trabalhado com o pedro na appc em anos anteriores e tinha conhecimentos profundos sobre paralisia cerebral e cuidados associados, posturas, etc.
mas este ano, o pedro está no 1º ciclo e a professora tem poucos conhecimentos sobre paralisia cerebral, o pedro é a primeira criança com que ela tem que lidar. ainda por cima este ano começou essa fantochada do prolongamento, para o qual as escolas não estão minimamente preparadas. por isso, já estão a começar os problemas. a professora já pediu a intervenção da appc, que fosse à escola, mas devido aos malditos cortes orçamentais, a appc tem menos pessoal e ainda não disponibilizou ninguém para dar o pretendido apoio. esta manhã, em conversa entre a professora e a mãe do pedro, lá veio a história de que os cuidados com o pedro são muito cansativos, principalmente os necessários durante o prolongamento, visto que devido aos cortes orçamentais o número de auxiliares não é o suficiente. também se queixou do nível de atenção do pedro (não sabe o que é ter hipotonia!), etc, etc. ou seja, está a olhar para o deficiente em vez de olhar para o eficiente. é a tal história da garrafa estar meio cheia ou meio vazia, depende de quem observa.
lá vamos ter que nos chatear outra vez! a verdade é que quando uma criança precisa de cuidados especializados em várias áreas, a coordenação entre os vários intervenientes é muito difícil, exige muito dos pais. não estou a culpar ninguém. as pessoas são o que são, estão inseridas numa sociedade, numa cultura, e em portugal não há muita cultura de interdisciplinariedade, de cooperação. mas era bom que cada um não ficasse orgulhosamente no castelo da sua especificidade...

quarta-feira, outubro 25, 2006

os irmãos

o pedro tem dois irmãos. o mais velho, já tem 17 anos e coincidência das coincidências, faz anos exactamente no mesmo dia que o pedro. a irmã, tem 12. têm sido um estímulo poderoso para o desenvolvimento do pedro. claro que o nascimento do pedro teve bastante impacto nos dois. viveram a gravidez com alegria e partilharam as nossas expectativas. quando o pedro nasceu, partilharam o "balde de água fria". o mais velho, no dia dos seus 11 anos, disse que o pedro tinha sido o seu melhor presente de aniversário. mas depois as coisas descambaram. durante alguns meses ficámos naquela espécie de dormência que todos os pais nesta situação bem conhecem, e sem tempo para o mais velho, pois todas as nossas preocupações se viraram para o pedro. andávamos sem paciência para as traquinices e "parvoíces" de um pré-adolescente. resultado, o rendimento escolar veio por aí abaixo, a relação conosco ficou bastante tensa. depois as coisas melhoraram, à medida que íamos entrando na "normalidade". durante bastante tempo, foi bastante difícil para ele aceitar o pedro. não que não o amasse ou alguma vez o tivesse rejeitado, mas não falava dele aos amigos, ou se falasse não dizia que o irmão era deficiente. hoje em dia é uma ajuda preciosa nos cuidados com o irmão. é nele (e no avô) que confiamos quando decidimos tirar um tempinho para nós, casal, e vamos ao cinema ou jantar fora.
com a irmã, as coisas foram mais fáceis. tinha 6 anos quando o pedro nasceu e uma noção muito diferente das coisas. nunca teve dificuldades em assumir o irmão, sempre o encarou com muita naturalidade e todos os seus amigos sabem do pedro. lida com ele como lidaria com um irmão sem deficiência, irrita-se quando o pedro desarruma as suas coisas, disputa o afecto e a atenção dos pais, e quando nós protegemos o pedro das suas zangas, diz que nós o mimamos demasiado. e brinca normalmente com ele, é superafectuosa. e esta normalidade é tranquilizadora para nós, pais.
isto vem a propósito de que hoje, as minhas preocupações estão principalmente viradas para o mais velho que está doente.

terça-feira, outubro 24, 2006

vivenciar experiências

desde o início e passado o choque (durante a gravidez não foi detectada nenhuma anomalia) e o período inicial (o primeiro mês de vida do pedro foi passado numa incubadora a tratar a infecção viral que ainda estava activa), que nos pareceu que o pedro tinha que vivenciar o maior número de experiências possível. aprendemos que durante os primeiros anos de vida o cérebro tem uma plasticidade espantosa porque as ligações entre os neurónios ainda se estão a estabelecer, as vias de transmissão dos estímulos ainda não estão completamente formadas e é possível estabelecer vias alternativas. assim, e como exemplo, se houve destruição do cortex visual, é possível que outras áreas do cortex assumam essas funções. por isso, nunca privámos o pedro de nada e assumimos que lhe proporcionaríamos todos os estímulos a que tinha direito. isto significou andarmos com o pedro para todo o lado, assumí-lo socialmente, o que não é nada fácil. as pessoas olham, as pessoas comentam, mas isso fica para outro post. o que quero partilhar aqui é a importância da estimulação desde o primeiro momento, para ajudar o tecido nervoso danificado a autoreparar-se, estabelecer vias de condução dos estímulos. embora nos primeiros meses de vida o pedro fosse bastante apático em relação ao mundo circundante, nunca o deixávamos em paz. as cócegas, as carícias, o banho, as massagens, etc, etc. música, estímulos visuais. embora ele não pegasse nos objectos, nós colocávamo-los na mão, objectos grandes e pequenos, superfícies lisas e rugosas, tudo o que estava ao nosso alcance. mas atenção: é preciso também criar nestas crianças a necessidade e a iniciativa. se notamos que elas gostam dum determinado objecto quando o colocamos na sua mão ou na sua boca (atenção à fase oral), então não o vamos colocar sempre. esse objecto é um estímulo precioso para o estimular a mover-se. se o deixarmos ao seu alcance, mais tarde ou mais cedo será ele a manipulá-lo e a levá-lo à boca, e saborearemos o prazer de uma pequena vitória.
um apelo: não se fechem em casa com as vossas crianças portadoras de deficiência. tragam-nos para a rua, para as piscinas, para a praia, para os parques infantis, para todo o lado. proporcionem-lhes tudo a que elas têm direito.

segunda-feira, outubro 23, 2006

início

este é o primeiro post deste novo blog, uma ideia que germina há já muito tempo, e algum dia teria que ser. foi hoje! e foi hoje depois de uma busca pelos blogs à procura de blogs semelhantes e ter encontrado poucos, mas bons. o pedro é o nosso terceiro filho. nasceu com paralisia cerebral e com surdez profunda, sequelas de uma infecção viral congénita. já lá vão quase sete anos. e hoje, passadas as turbulências e tempestades dos primeiros tempos, as águas estão mais calmas. às vezes agitam-se novamente, há sempre novos desafios a vencer, há sempre novas pessoas para "educar". novos terapeutas, educadores, auxiliares, instituições, médicos, novas "personagens" nesta "aventura".
o pontapé-de-saída está dado, nasceu este blog. espero que sirva de local de troca de experiências, partilha de emoções, desesperos, alegrias, conquistas, com outros pais e com a sociedade em geral, que bem precisa de ser educada a aceitar os seus membros portadores de deficiência. até breve.