sábado, dezembro 29, 2007

renovação (post de natal e ano novo)

a mãedopedro tinha ficado de escrever o post de natal do a vida com pedro, mas acho que a preguiça invadiu toda a família nesta breve pausa. também houve umas constipações pelo meio, a azáfama das prendas e da consoada, a necessidade de quebrar a correria do dia-a-dia, o passar dos dias com o pedro e as suas necessidades de atenção quase permanente. o natal foi bom, pacífico, a família reunida, a lareira acesa. esta é uma época de renovação. renovação da natureza e renovação interior. aproxima-se um novo ano e somos tomados por sentimentos de balanço e novos planos. procuramos dentro de nós projectos esquecidos, objectivos não atingidos, sonhos adormecidos. talvez seja uma breve ilusão, mas precisamos destes processos para retemperar forças e enfrentar de novo as lutas do quotidiano, umas mais absurdas e à partida desnecessárias, outras inevitáveis. umas originadas e alimentadas pela ignorância, o preconceito e o individualismo, outras decorrentes da própria natureza das limitações (físicas ou não), que a vida nos impõe. penso que é nestas últimas que temos que concentrar os nossos esforços, as outras não o merecem, penso que percebem o que quero dizer. que o novo ano seja, então, de muita força e paz interior, com disponibilidade para o que é verdadeiramente importante e discernimento para distinguir o que é importante do que o não é.


um excelente 2008 para todos.

domingo, dezembro 16, 2007

árvore de natal

no meio dos atritos entre as cinco personalidades fortes que habitam nesta casa, lá conseguimos fazer a árvore de natal. na verdade foram seis, porque tivemos a ajuda da namorada do irmão do pedro. eu sei que nesta altura já a maioria das casas que festejam o natal estão enfeitadas há já umas semanas, mas nós nunca damos um ar natalício à nossa casa antes do aniversário dos miúdos. é um pequeno truque para separar as coisas, para que o aniversário deles não "apareça" colado ao natal. sei também que atritos nada têm a ver com o espírito de natal, mas por vezes torna-se difícil gerir as tais personalidades fortes, principalmente quando elas habitam uma rapariga de 13 anos , um rapaz de 19 e um menino especial de 8. dizia a minha filha no outro dia, que nesta casa ninguém gosta de obedecer a ordens. na verdade, sempre tentámos que eles fizessem as coisas por eles próprios, seguindo conselhos e não ordens, explicando-lhes a lógica das coisas, da dinâmica familiar e da sua (deles) necessidade de desenvolverem autonomia e espírito de cooperação. estratégia muitas vezes mal sucedida, mas quando as coisas descambam não há outro remédio senão recorrer à velha autoridade autocrática paterna. com o pedro, a tarefa torna-se mais difícil, porque o elemento "tom de voz" não tem qualquer efeito sobre ele, mas isso seria matéria para outro post. voltando à árvore, lá está a ela a brilhar na noite. este ano tem umas fitas colocadas pelo pedro, com um ligeiro ajuste da minha parte. são as primeiras por sua própria iniciativa. apanhadas da caixa em que estavam guardadas e levadas até à árvore sem qualquer ajuda e sem qualquer ordem ou sugestão. simplesmente ele quis fazer parte do processo e já tem autonomia física e enquanto pessoa para o fazer. este vai ser um natal diferente para o pedro.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

aniversários

pois ontem foi o dia dos aniversários cá em casa. como expliquei num post há um ano atrás, o pedro e o irmão nasceram exactamente no mesmo dia, com 11 anos de diferença. almoço comemorativo com os avós, os padrinhos, o tio e a namorada do irmão. telefonemas de familiares ausentes, e uma mensagem de uma amiga especial da blogosfera que não se esqueceu. obrigado, grilinha. nunca fizemos uma festa para o pedro com amiguinhos e colegas da escola. aos 8 anos, qualquer dos irmãos teve a sua festinha com os colegas da escola. porque fazemos esta distinção? sinceramente, não sei. a única explicação racional será a partilha do dia do aniversário com o irmão. mas isto é o racional, que nem sequer constitui argumento convincente, pois não seria impeditivo. o irracional, que sabemos nós sobre o irracional? em relação ao ano anterior, há a registar uma melhora significativa no sopro do rapaz: mais certeiro e com menos saliva à mistura. registo ainda que a tradicional canção dos parabéns a você foi cantada, acompanhada de alguns gestos, muito poucos, pois esta família ainda não fez o esforço de aprender a sequência de gestos correspondentes. eis algo a pedir à formadora de língua gestual. como referi acima, houve telefonemas de tios distantes (suiça e estados unidos da américa), mas, claro está, o pedrito nem se apercebeu deles. ainda tenho pena de que estes pormenores sejam assim, assim como tenho pena de que ele no fundo ainda não tenha a noção do que significa fazer anos. as noções de tempo ainda não estão de maneira nenhuma incorporadas no seu sistema pessoal. mas, o mais importante de tudo é que foi um dia bem passado, o pedro esteve feliz e, como sempre, adorou ver a família reunida.

sábado, dezembro 01, 2007

o lado irónico da vida

acreditam em destinos, significados para a vida e etc? pois eu não, mas há coisas que me põem a pensar no lado irónico da vida. a cadelinha que nasceu no início de novembro tem, descobrimo-lo agora que começou a andar, uma patinha da frente anormal, não pousa completamente no chão, enrola-se para dentro. vai ter que usar uma tala, fazer habilitação motora e, possivelmente, ser operada. ele há coisas que parecem um argumento cinematográfico mal escrito, e de mau gosto. às vezes é preciso rirmo-nos da vida, como ela se ri de nós.

quarta-feira, novembro 28, 2007

eu quero ajudar

é uma característica da personalidade do pedro que se tem vindo a evidenciar nos últimos tempos. quando ele se começou a mover autonomamente, ficámos espantados com a maneira como ele sabia onde se arrumavam todos os utensílios de cozinha, e no geral, tudo na casa. foram anos e anos de observação. parecia até que ele sempre tinha participado nas tarefas domésticas. mas de há cerca de um mês para cá, quer mesmo ajudar a pôr e a levantar a mesa, ou a retirar e arrumar a louça da máquina de lavar. caixas de plástico, talheres, panelas, tudo bem. o problema é que de vez em quando, lá se parte um prato ou um copo, apesar de todos os cuidados que possamos ter. é que o desejo de autonomia dele leva-o a afastar quem o queira ajudar. há uma vontade imensa de provar a si próprio e aos outros de que é capaz, de que sabe. na verdade, já havia tarefas em que ele ajudava há muito tempo. ao colocarmos a roupa na máquina ou ao estendê-la, sentavamo-lo numa cadeira ao pé de nós e ele ou punha a roupa dentro da máquina ou nos dava as molas. pois, mas roupa cai no chão e não acontece nada. agora louça... o melhor será pedirmos um novo serviço ao pai natal.

sexta-feira, novembro 23, 2007

manhas

aconteceu com os outros dois, mas sinceramente pensava que com o pedro não viria a acontecer. o pedro sempre foi um "bom garfo", apreciador de comidas variadas. com excepção dos doces. nunca apreciou gomas, rebuçados, bolos e gelatinas. ok, mousse de chocolate e gelado têm a sua aprovação, mas isso é mais um indício do seu bom gosto gastronómico. sopa, legumes cozidos, esparregado e outras coisas a que normalmente as crianças torcem o nariz, marcha tudo. ou melhor, marchava. o sr. pedro, que já na incubadora da unidade de cuidados intensivos se agarrava ao biberão dando sinais claros de que queria viver, decidiu agora fazer fitas com a comida. o que dantes era um prato completamente vazio no fim da refeição, é agora um prato meio cheio, afastado para o lado com claros sinais de "não quero mais". isto já dura há alguns dias, mais ou menos semana e meia, seja qual for o menú. a confirmação das minhas suspeitas chegou quando, ao comentar o facto na escola, ouvi aquilo de que já estava à espera: "ah, mas ele aqui come sempre muito bem, muitas vezes até quer repetir". são apenas manhas, as mesmas a que assistimos com os outros dois. nunca demos grande importância a estas fases, pois sabemos que acabam por passar quando a táctica não produz efeito. quanto mais os pais se preocupam e quanto mais o assunto "comida" se torna uma maneira de atrair atenções, mais o comportamento dos meninos é reforçado. e que eles são manhosos, não tenhamos dúvidas. se aos outros dois passou depressa, ao pedro também irá passar. tudo nos conformes, portanto.

quarta-feira, novembro 21, 2007

de hoje

hoje quero chamar a atenção para um blog muito especial. uma mulher que está a viver a mesma situação que a mãedopedro viveu há 8 anos atrás, com uma ligeira diferença, extremamente importante. uma gravidez com infecção primária por citomegalovirus, mas neste caso foi diagnosticada antes do nascimento da criança. o blog chama-se "de hoje" e já figura na barra lateral do a vida com pedro. o post mais recente, que explica de uma maneira simples e directa o que se sabe hoje em dia sobre gravidez e citomegalovirus, merece uma leitura atenta. bem vinda à blogosfera, mada.

quinta-feira, novembro 15, 2007

uma ida ao supermercado

as idas ao supermercado com o pedro são actualmente verdadeiros concentrados de experiências. para ele e para mim. primeiro a autonomia, o pedro começa a querer fazer tudo o que consegue sozinho. deixado o carro no piso inferior do centro comercial, para subir ao piso do supermercado há que utilizar a passadeira rolante. mal entramos no hall, larga-me a mão e prepara-se para abordar a dita passadeira. no entanto pára, maravilhado com as iluminações de natal instaladas nos últimos dias. repara em todos os enfeites, aponta-os um a um, e eu faço-lhe os gestos correspondentes: luzes, bolas, árvore de natal, mais bolas aqui, mais luzes ali, mais árvores acolá. decide-se então a abordar a passadeira. não é fácil, mas ele já vai dominando a técnica de entrar com a passadeira em movimento, agarrando-se ao corrimão móvel, equilibrar-se no plano inclinado e preparar a saída. consegue tudo com exito, comigo sempre preparado para o agarrar se alguma coisa correr mal. maravilha-se com todos os enfeites, a cara iluminada por um daqueles sorrisos de fascínio que dá gosto ver, observa demoradamente as pequenas árvores colocadas nas separações entre lojas e repete os gestos correspondentes: luzes, bolas, árvores, natal. tiramos um carrinho e ele declara logo que quem o empurra é ele. ao avançarmos pelos corredores, só me permite pequenas correcções de rota, porque ter a mão sempre no carrinho, nem pensar. é ele que vai a pilotar. ajuda-me a colocar as compras no carrinho, escolhe as suas coisas preferidas. passo por debaixo de um cartaz colocado numa posição baixa e toco-lhe com a cabeça. todos os cartazes que se seguem, tenta tocar-lhes com as mãos, mas estão muito altos. só no corredor seguinte encontramos um cartaz suficientemente baixo para ele o alcançar, sobressaindo das estantes. corre para ele, com o seu passo atabalhoado, e passa por debaixo várias vezes, tocando-lhe, saciando a sua vontade de criança. faz-me o gesto com a mão fechada e o polegar esticado para cima, que toda a gente conhece, surdos ou ouvintes. os cartazes seguintes já não o interessam, o desafio já tinha sido vencido. mais à frente decide que já posso ser eu a conduzir o carrinho. fica um bocado para trás, entretido com um expositor. eu vou avançando e, quando me viro para trás, vejo-o a passar entre dois carrinhos que estão parados, deixando espaço para apenas uma pessoa passar de cada vez. dois jovens apressados forçam a passagem em sentido contrário e acabam por fazê-lo cair, sem sequer olhar para trás ou parar para o auxiliar. quando chego ao pé dele, já um senhor de olhar bondoso o tinha levantado. chora ofendido e volta-se para trás zangado, mas quem o fez cair já desapareceu no meio dos corredores. enquanto estamos à espera de ser atendidos na charcutaria, chegam os dois jovens (um casal, provavelmente irmãos), que não me tinham chegado a ver, e ela ao ver o pedro deixa sair um "o quê? já estás aqui?", com ar de desdém, ao que eu respondo "olha os imbecis outra vez". percebem então que o pedro está comigo, e não se atrevem a responder. ainda bem, porque eu estava preparado para lhes dar uma pequena lição de moral em público. enquanto somos atendidos, o pedro crava 3 fatias de queijo às simpáticas funcionárias da charcutaria. devora-as uma atrás da outra, já faz parte dos rituais de supermercado. obrigo-o a fazer o gesto de obrigado. na secção da fruta, engraça com as uvas, vai buscar um saco, e é ele que as escolhe e as coloca dentro do saco que eu seguro. decide também que é ele que as leva à balança para a funcionária as pesar. mais uma missão cumprida com exito. na fila para a caixa, pede-me para fazer xixi. como as casas de banho são mesmo ao pé do supermercado, deixamos o carrinho a um canto e saimos. ao chegarmos às casas de banho, a reservada a deficientes está de porta fechada e a das senhoras está em limpeza, com a indicação para utilizar as do piso de cima. dirijo-me às dos homens, mas estão sujas. decido-me voltar para trás para uma nova abordagem à dos deficientes. chegamos no momento em que a porta se abre e de lá de dentro sai uma senhora sem qualquer sinal de deficiência. deixo escapar um irónico "ah, mas que bem!". a senhora, que não quis dar-se ao trabalho de subir ao piso superior, prepara-se para me responder, irritada, quando repara no pedro. o registo muda automaticamente para um pedido de desculpas envergonhado. quando saimos da casa de banho, vejo um senhor com ar de importante a dirigir-se às casas de banho dos homens, que entretando tinham entrado em manutenção. repara na placa que solicita a utilização das do piso superior, olha para as escadas com enfado e entra, acto contínuo, na reservada a deficientes. preparo-me para lhe fazer um reparo, mas decido que é desperdício de energias. regressamos ao supermercado, para a fila da caixa. o pedro repara nos expositores dos carrinhos hot wheels, estrategicamente colacados junto às caixas, junto a chão. escolhe 3, eu digo-lhe que só pode levar um. fica indeciso, mas lá escolhe um vermelho com umas "chamas" pintadas a branco. digo-lhe para colocar os outros de volta no expositor. atrapalha-se ao colocá-los, irrita-se ao fim de algumas tentativas, porque eles caem sempre. com paciência, decido intervir e ensino-lhe a "mecânica da coisa". consegue. satisfeito, repete a operação várias vezes. tira e volta a colocar. entretanto chega a nossa vez na caixa. ajuda-me a colocar as compras na passadeira rolante da caixa e depois ajuda a operadora de caixa, passando-lhe alguns itens para a mão. quando acaba a nossa conta, quer continuar a ajudar a operadora, com as compras dos outros clientes. as pessoas da fila, que o tinham estado a observar, riem-se com gosto e ternura. digo-lhe que nos vamos embora, e ele vem, alegremente, fazendo adeus à senhora da caixa. é o que eu dizia no início do post: um concentrado de experiências. umas boas, outras más.

quinta-feira, novembro 08, 2007

no escuro

há um aspecto que ainda não consegui esclarecer em relação à surdez. pode parecer um bocado tolo, mas quando o pedro era pequenino, a nossa primeira formadora de língua gestual disse-nos para nunca apagarmos completamente a luz do quarto dele enquanto ele dormia, porque os surdos, na escuridão total, ficam completamente sem referências e sentem-se um bocado perdidos. foi o que fizemos. no entanto, a partir dos 4, 5 anos, foi o próprio pedro que começou a pedir para apagarmos a luz do quarto dele, antes de dormir, e não parece sentir-se minimamente desconfortável na escuridão total. o que eu gostava que me esclarecessem, principalmente os surdos que passam por este blog, era se o nosso pedro foje à regra, ou foi a nossa primeira formadora que generalizou para todos os surdos o seu caso particular.

terça-feira, novembro 06, 2007

comunicação e escadas

queria ter escrito este post ontem à noite, mas confesso que fui vencido pelo cansaço. e explicação é simples, desde sábado que a mãedopedro está fora para um congresso e ser pai "solteiro" tem muito que se lhe diga. também o facto de a carlota, a cadelinha que se juntou à família no natal passado, ontem ter sido mãe ajudou à festa. e comecemos por aí. ainda não fez um ano e o bom do spike já lhe "fez a folha". teve uma cachorrinha linda que aglutinou as atenções de todos. o pedro está radiante com a bebé, esta manhã foi a primeira coisa que quis ver. no entanto, quando chegámos à escola e lhe disse, em língua gestual, para contar à professora o que tinha acontecido, não conseguiu (ou não quis?), expressar-se com clareza. o que me leva a uma velha questão, que tem a ver com os níveis de comunicação do pedro. quando o assunto lhe interessa e no momento certo, a comunicação com ele consegue ser fluída, uma verdadeira conversa em língua gestual. noutras vezes, principalmente se o assunto são acontecimentos passados, remete-se a um papel de passividade, como se dissesse "sim, pois" e deixa todo o trabalho de nomeação e concretização para nós. preguiça? não me acredito que seja incapacidade. é sabido que esta questão da comunicação está condicionada pelo contexto e também pode ser que ele se sinta mais acanhado com a professora, é difícil saber. o que é certo é que ele de manhã fez os gestos todos correctamente, "bebé cão ver eu quero" ( a gramática gestual é consideravelmente diferente da da língua portuguesa), e depois na escola só fez que sim com a cabeça.

(interrupção causada pelos sons da cachorrinha, que tinha saído da casota, provavelmente empurrada pela mãe enquanto a lambia. já a coloquei junto à mãe, no quentinho. ao pai spike não lhe é permitido chegar-se ao pé da bebé, porque a mãe carlota rosna-lhe logo. é esta a condição dos machos... :) )

de resto a vida vai fluindo, o pedro acabou com êxito o desmame da fenitoína e a questão da epilepsia parece estar controlada. agora o seu auto-desafio a nível físico são as escadas. quer descê-las sozinho. apoia o antebraço esquerdo no corrimão e lá vai, sempre com a minha supervisão, que a mãe não gosta muito destas veleidades. também é verdade que, por questões de horário, este ano sou eu que o despacho todas as manhãs e, portanto, não é muito frequente ele descer as escadas com a mãe. outra coisa que atrapalha as nossas manhãs é que o pedro quer sempre ser ele a trazer para baixo a roupa suja do dia anterior e colocá-la no respectivo cesto, mas como a mão direita não é muito eficaz em termos de preensão e a esquerda está ocupada com o corrimão, não consegue. às vezes opta por atirar a roupa lá de cima, mas eu normalmente nao o deixo, porque não acho que seja sistema a adoptar, apesar de concordar que é eficaz. com o tempo, tenho a certeza que ele conseguirá apoiar-se com a esquerda e trazer a roupa na mão ou no braço direito, é uma questão de treino. conclusão: as escadas continuam a ser território de mil atenções e as descidas matinais ameaçam tornar-se verdadeiras aventuras.

sábado, outubro 27, 2007

assim, de repente, passou um ano

no passado dia 23, este blog fez um ano, e nem sequer teve direito a post comemorativo no próprio dia. repera-se hoje a "falha". 117 posts, quase 10 000 visitantes. o ritmo de publicação diminuiu, mas a vida com pedro está cá para ficar. gosto do intercâmbio que se estabeleceu com alguns dos visitantes regulares. gosto também de chegar aqui e desabafar, partilhar as vitórias, as preocupações, as frustrações. gosto ainda de verificar, através do sitemeter, que muita gente chega aqui ao fazer pesquisas sobre "terapia ocupacional+talas", "hemiparesia direita em crianças", "impacto de um filho deficiente nos pais", "irmãos de crianças doentes", "epilepsia", "heminegligência", etc. a maior parte desses visitantes são silenciosos, entram directamente para um post específico e voltam a sair. imagino que alguns deles estão a dar os primeiros passos nesta aventura de viver com e criar uma criança portadora de deficiência e gosto que este blog contribua para essas primeiras buscas de informação. outros demoram-se mais tempo e visitam 8, 10, 12 ou mais páginas, chegando a ficar quase uma hora a ler este conjunto de reflexões, informações mais ou menos científicas e desabafos. por vezes deixam comentários em posts mais antigos, que eu releio e recordo. há também quem chega aqui através de pesquisas não relacionadas com a deficiência, mas sim com a família. "a alegria de ser pai", "reflexões sobre ser mãe", "irmãos adolescentes ciumentos", para citar apenas as mais recentes. a esses visitantes "incautos", espero que a leitura desta realidade os enriqueça como seres humanos, chamando-lhes a atenção para outros quotidianos familiares, e que contribua para a desmistificação da vida das famílias com crianças diferentes.

neste ano, o pedro deu um passo crucial no seu desenvolvimento, a aquisição da marcha autónoma. foi um momento alto de partilha de emoções no espaço virtual. senti, da parte de alguns dos visitantes, verdadeira e genuina alegria pelo acontecimento, e não ando longe da verdade se afirmar que essa partilha foi mais intensa com estes amigos da blogosfera do que com outros amigos fora dela, o que não deixa de ser curioso. essa partilha tornou-se um dos principais atractivos de manter o blog e é bom verificar que, apesar de não nos conhecermos pessoalmente, passámos a fazer parte da vida uns dos outros. foi muito bom passar este ano convosco, visitantes habituais ou ocasionais, silenciosos ou comentadores. espero que os próximos também o sejam.

domingo, outubro 14, 2007

weekly report

parece ser este, neste momento, o formato deste blog. às vezes já não sei se sou eu que planeio o blog ou se ele já tem "vida" própria e eu sou chamado a escrevê-lo. passe o exagero, a verdade é que o vida com pedro se tornou (quase) uma necessidade. é como se eu parasse e fizesse um mini-balanço da semana, consultasse os meus instintos e perguntasse se estamos a ir no caminho certo ou se há que corrigir rotas. com o pedro, com os múltiplos desafios que ele nos põe (e que nós pomos a ele), mas com a própria vida. o que somos, em que acreditamos, o que rejeitamos.

esta semana, o calendário do pedro preencheu-se. as actividades habituais que ainda não tinham começado, começaram. ontem a hipoterapia, hoje a natação. retomar actividades, tem a vantagem de nos apercebermos das diferenças no desenvolvimento do pedro. as imagens de há uns meses atrás vêm à memória, e dá para comparar posturas, capacidades de autonomia. foi o que aconteceu hoje nos duches da piscina. que diferença! mais direito e com muito maior capacidade de equilíbrio, mesmo descalço. na água também há diferenças, para melhor.

há miúdos novos na turma. pergunto-me se a tendência para rejeitar as pessoas diferentes não será um instinto que é necessário controlarmos, para sermos seres humanos dignos desse nome. uma das novas alunas, com 4 - 5 anos, tem dificuldade em sentar-se ao lado do pedro. quando ela acabou de atravessar a piscina, o único lugar livre era ao lado do pedro. eu ofereci-me para a sentar, mas ela disse-me que não. quando o professor chegou ao pé de nós e a sentou ao lado do pedro, ela deu um "jeitinho" de maneira a ficar sentada o mais longe possível do pedro e colado ao colega do outro lado. olhava o pedro com estranheza, e não com maldade ou desprezo. sei que é uma questão de tempo, já vi isto acontecer várias vezes, mas dói sempre um bocadinho. principalmente por ele que, aparentemente, não se importa. por outro lado há outros que são mais curiosos e falam abertamente. um perguntou-me se o pedro não sabia falar. eu disse-lhe que sim, que falava por gestos e perguntei-lhe se ele sabia falar por gestos. ficou a pensar na questão e passou o resto da aula muito atento aos gestos que eu e o pedro fazíamos. ao olhar para os miúdos nestas idades, que são mais puros e ainda não estão irremediavelmente contaminados com a formatação social, reflito sobre a natureza humana.

finalmente fomos fazer o molde para a nova tala. objectivo, tornar a perna direita mais operacional e forçar a distensão dos joelhos. este andar com os joelhos um pouco fletidos, que o pedro desenvolveu, tem que ser corrigido por várias razões. para prevenir que quando ele dê pulos de crescimento o peso se torne demasiado para as pernas e haja retrocessos, para evitar ao máximo as prováveis consequências, tipo artrose, que esta posição lhe trará ao nível dos joelhos e da coluna vertebral. o primeiro objectivo, que ele andasse, está cumprido e felizmente parece solidificado. agora é preciso que ele ande correctamente e o mais fisiologicamente possível.

uma boa semana para todos.

sábado, outubro 06, 2007

disto e daquilo

o tempo voa literalmente nesta nossa vida, quando temos que nos desdobrar em múltiplas personagens, nem parece que já passou uma semana desde que publiquei aqui o post anterior. as coisas estão mais calmas, o que nos permitiu retomar este início de ano lectivo e de actividades diversas. a consulta com a neuropediatra correu bem, o pedro está estabilizado. estamos agora em fase de desmame da fenitoína. conseguimos também uma velha aspiração da escola do pedro, que é a deslocação da neuropediatra à escola para desfazer as dúvidas em relação à epilepsia. pela conversa que tivemos com ela, ficámos com a sensação de termos contribuído para o início de uma série de palestras sobre o tema nas várias escolas da cidade, que é uma coisa bem necessária. o agrupamento de escolas onde a escola do pedro está inserida será a primeira.

é bom regressar à normalidade e ver o pedro retomar a sua autonomia na marcha em pleno. do ponto de vista da capacidade de concentração, passada a primeira fase de adaptação aos novos medicamentos em que ele andou mais sonolento, parece estar tudo bem.

receámos o impacto deste descontrolo da epilepsia na maneira como as professoras olham para o pedro, mas parece que foram apenas receios nossos, porque a atitude delas tem sido bastante positiva. o mesmo, estranhamente, não se passou na a.p.p.c. digo estranhamente, porque têm uma experiência muito maior em lidar com a epilepsia. no entanto, a terapêuta que acompanha o pedro na hipoterapia pôs em causa a continuidade do pedro nesta actividade que é tão boa para ele e de que ele gosta tanto. os fantasmas da epilepsia são terríveis! foi-nos exigida uma declaração médica em como o pedro poderia continuar a fazer hipoterapia, que a neuropediatra prontamente passou.

foi finalmente colocada a formadora de língua gestual na sala do pedro. gostei dela, no breve contacto que tivemos. pareceu-me uma pessoa de bem com a vida e muito à vontade com os miúdos. todos os anos é a mesma coisa. embora a direcção regional de educação saiba perfeitamente que a unidade de apoio à criança e jovem surdos precisa de formadores de língua gestual desde o início do ano lectivo, abre o concurso de colocação destes profissionais o mais tarde possível e eles só são colocados no mês de outubro. a mim ninguém me convence que não é para pouparem uns centimozinhos. curiosamente, a formadora deste ano já conhecia o pedro. cruzámo-nos há uns anos atrás no hospital de santa maria, quando ela estava a fazer o seu estágio. recordo-me de uma turma de estagiários que conhecemos numa das nossas deslocações à consulta de surdez infantil e de a mãedopedro lhes ter dito para se prepararem bem, porque o pedro um dia poderia vir a precisar deles. são curiosas as voltas da vida.

sábado, setembro 29, 2007

questões pertinentes

falta de tempo para actualizar este blog. tempo de reflexão também. o e.e.g. de controlo na 4ª feira já não revelava actividade anormal nenhuma. o pedrocas regressou à escola na 5ª feira. os 35,8 mL de xaropes variados põem-no mais sonolento, embora, segundo informação das professoras, não lhe perturbem o nível de atenção. na próxima semana lá iremos à consulta de neuropediatria para fazer o balanço da "crise" e traçar estratégias para os próximos meses. pela frente temos também entrevista com o ortoprotésico para fazer as novas talas receitadas pelo fisiatra, para melhorar a extensão dos membros inferiores. já deveriam estar prontas, mas as férias e os acontecimentos das últimas semanas não permitiram que nos dedicássemos a isso.
fazendo o balanço pessoal deste descontrolo da epilepsia, chego à conclusão de que o pedro já tinha passado por episódios destes em outras fases, só que nós não valorizámos, porque ele ainda não andava e a autonomia dele não era afectada. chamavamos-lhes hipotonias e seguiamos em frente. tinha o seu quê de recusa em enfrentar a realidade, até porque o fisioterapeuta que o acompanhou durante muitos anos sempre nos disse que as hipotonias podiam estar relacionadas com a epilepsia. se o meu raciocínio e o meu olhar sobre o pedro não estivesse contaminado com a minha condição de pai, já teríamos agido há mais tempo, porque cientificamente tinha todos os dados para chegar à conclusão correcta, mas foi preciso ver o traçado do e.e.g. completamente alterado para abrir os olhos. o que me leva a perguntar: até que ponto nós conseguimos olhar para os nossos filhos portadores de deficiência, ou com problemas graves de saúde, com objectividade? até que ponto os nossos sentimentos protectores irracionais não nos confundem a racionalidade?

terça-feira, setembro 25, 2007

home sweet home

estamos em casa, temos o nosso rapaz de volta. 35,8 mL de xaropes variados duas vezes por dia, e.e.g. daqui a dois dias, consulta daqui a uma semana. dois dias de convalescença pela frente, antes de voltarmos às rotinas. mas ainda andam por ali umas crises muito atenuadas...

sexta-feira, setembro 21, 2007

actualização

ainda estamos internados. fiquei um pouco surpreendido com um comentério ao post anterior. não quero de maneira nenhuma deixar aqui a impressão de que viver com o pedro é viver agarrado a um problema. se há coisa que aprendi na vida é que os problemas têm o peso que nós lhes dermos. e quanto mais carga negativa nós lhes pomos, mais embutidos ficam os nossos sentidos e os nossos instintos e, portanto, menos disponíveis para fazer o que temos que fazer aos problemas, que é resolvê-los. também não quero que estes textos pareçam tristes. preocupados, sim, mas tristes, não. o pedrinho está bem melhor, mas ainda não está "au point". já não está em estado de mal epiléptico e recuperou o apetite e a boa disposição. agora a chatice é estarmos aqui fechados o dia todo e inventar actividades para passar o tempo, mas tem que ser. estamos à espera que o e.e.g. regularize um pouco mais e que o novo medicamento que ele vai passar a tomar diariamente (ácido valpróico) atinja bons níveis terapêuticos. para se poder retirar a malfadada fenitoína, que é eficaz, sim senhor, mas deixa-o nauseado. hoje o dia já teve muita agitação da boa. no fundo passámos o dia a brincar, a rabiscar e a ver livros e desenhos animados. vimos novamente o filme preferido do pedro, que é o "spirit", as aventuras e desventuras de um cavalo no oeste americano. é um filme que funciona muito bem com miúdos surdos, devido à quase total ausência de diálogos falados e à expressividade do desenho. e como o pedro adora cavalos, já o viu tantas vezes que já o sabe de cór. no entanto, segue-o sempre atentamente.
mas voltando ao post anterior, ao relê-lo perguntei-me até que ponto não é demasiada a exposição a que nos submeto, ao colocar online factos e sentimentos que sei que a maioria das pessoas em situações semelhantes procura esconder. e pergunto-me porque é que o faço. a única resposta que encontro é a minha aversão às vaidades sociais. uma sociedade tem que ser um espaço verdadeiro e não um espaço de mentiras e falsas aparências. a vida das pessoas com deficiência e dos seus familiares não é um drama pegado, não tem nada a esconder. tem as suas particularidades, tem as suas lutas. e penso que quanto mais as pessoas que não lidam com estas situações de perto souberem sobre essas particularidades e essas lutas, mais despertas e mais sensíveis ficarão. se este blog contribuir para que as pessoas que o lêem desmistifiquem a questão da deficiência e da diferença, então terá cumprido um dos seus objectivos. uma sociedade com tabús e cheia de questões pouco claras, em que é necessário ter o olho azul ou o nariz verde para se ser olhado com respeito, não vale nada. uma sociedade em que a diferença é olhada com muita dó e muita pena, também não. uma sociedade tem que ser um espaço em que todos sejam respeitados, independentemente da cor do olho ou do nariz, ou inclusivamente se tem ou não tem olho e nariz. faz-me imensa confusão que se escondam deficiências, cancros, problemas psiquiátricos, infecções pelo hiv, divórcios, dificuldades financeiras, como se tivéssemos todos que ser supersaudáveis, supersatisfeitos, superqualquercoisa.

quarta-feira, setembro 19, 2007

estamos internados

post escrito num portátil, à cabaceira do pedro no hospital. o pedro dormita a meu lado, depois do dia difícil que passou. ontem depois de acabar o tratamento com o novo antiepiléptico foi dormir a casa, mas quando fez hoje o novo e.e.g. não havia melhoras. já desconfiava, porque as hipotonias manifestaram-se durante a manhã. clinicamente, estava em estado de mal epiléptico, fazendo crises umas atrás das outras. a neuropediatra decidiu ser mais radical e avançar com uma terapêutica mais agressiva, fenitoína, que arrumou completamente com ele durante algumas horas. um estado confusional, agitação psicomotora, depois vómitos. no meio da confusão, uma crise daquelas clássicas, com convulsões. enfim, estamos internados na pediatria, amanhã haverá novo e.e.g., depois logo se verá. custa-me vê-lo nestas fases. custa-me também que o vejam nestas fases, mesmo os profissionais de saúde, porque o pedro não é isto. custa-me que nos façam perguntas do tipo se ele usa sempre fralda ou se consegue tomar um medicamento por uma colher de plástico sem a morder. a mãe do pedro responde logo que ele é um menino como os outros e que faz o mesmo que os outros.
estar aqui, remete-me inconscientemente para os outros internamentos do pedro. a operação em lisboa, as outras descompensações da epilepsia, o primeiro internamento na unidade de cuidados intensivos. já vamos tendo alguma experiência nestas andanças. quando a neuropediatra me propôs o internamento, muito honestamente eu não queria. nem sei bem explicar porquê, mas resisto ao máximo quando se fala em internar o pedro. deve ser esta minha teimosia em que a vida com ele seja o mais normal possível. preferia tê-lo levado para casa e voltar com ele logo de manhã, mas perante as evidências de que se fosse necessário administrar mais alguma coisa por via venosa amanhã ele teria que ser picado de novo, lá cedi. e ainda bem, porque de qualquer maneira ele teria ficado cá por causa dos vómitos. pelos vistos a fenitoína é bem agressiva e provoca alguns efeitos secundários. só espero que faça o efeito desejado, porque não há garantias. aliás, na vida com o pedro, nunca há garantias. se calhar nunca há e a vida é mesmo assim... mas sem me querer queixar ou armar em vítima, isto é um viver sem rede, estar permanentemente disponível para, de um momento para o outro, alterar todas as rotinas, largar tudo e entregar-me a ele, ficar disponível para ele enquanto ele precisar de mim. é o amor que lhe tenho que me dá esta força de entrega incondicional, com naturalidade e sem pensar duas vezes. sei que no meu trabalho precisam de mim, que o resto da família precisa de mim, mas valores mais altos se levantam, para utilizar um lugar comum. também não é nada fácil para a mãe do pedro continuar a trabalhar enquanto nós estamos aqui, não sei qual das posições é mais difícil. mas como eu sou do meio, tenho uma visão técnica da coisa (embora por vezes não consiga pôr o meu olhar profissional a funcionar) e tenho mais estofo e sangue frio nos momentos mais difíceis, normalmente sou eu que avanço.
este post está muito caótico, mas foi escrito ao sabor do pensamento. e nestas alturas o pensamento voa veloz. por vezes quase que é difícil agarrar as palavras e registá-las a crú. espero que ao ler estas linhas, principalmente quem não tem crianças com problemas maiores do que as crianças têm normalmente, reflitam sobre a relatividade da vida e valorizem aquilo que têm. que não se desgastem com problemas menores, como se a vida fosse suposta ser perfeita.

terça-feira, setembro 18, 2007

o meu pedro é um herói

enquanto escrevo este post o pedrinho está com a mãe no hospital. nada de grave. ou então sou eu que já perdi a noção do que é grave e não é. as "pequenas hipotonias", como eu lhes chamava, afinal não são mais do que actividade epiléptica. nos últimos dias, passaram de pequenas hipotonias a grandes hipotonias, de tal maneira que lhe começaram a afectar a capacidade de andar sozinho. depois de algumas quedas e de alguns "galos", resolvemos contactar com a neuropediatra e marcar um electroencefalograma. foi fazê-lo hoje, e foi direitinho para o S.O., para iniciar um novo fármaco antiepiléptico. é uma forma pouco habitual de epilepsia, em que as crises não provocam perda de consciência, apenas perda generalizada de tónus. durante o e.e.g., fez uma série delas, quase sem interrupção, embora se olhassemos para ele nada indicasse que estava a ter crises. continuava a comunicar comigo em língua gestual, completamente desperto. pode parecer-vos estranho eu dizer isto, mas ainda bem que é actividade epiléptica. se não fosse, seria muito mais complicado lidar com isto. conhecer aquilo contra o que temos que lutar é meio caminho andado. quando acabar o medicamento intravenoso, vem dormir a casa, e amanhã vamos voltar para fazer novo e.e.g., 24 horas depois. o meu pedro é um herói. suporta todas estas "sevícias" estoicamente. eléctrodos, picadelas, sistemas de soros, com uma naturalidade que nunca vi em nenhuma outra criança. deve ter sido do primeiro mês de vida passado na unidade de cuidados intensivos, nada o intimida, desde que o pai ou a mãe estejam presentes. é por isto, por ser esta a nossa realidade, que eu não consigo ter paciência para mães e pais que ficam muito preocupados se os seus meninos têm uma dorzinha de garganta, ou uma reles otite, ou uma febre que já dura há dois dias. nem sabem a sorte que têm.

sexta-feira, setembro 07, 2007

será?

e as rotinas vão-se montando aos poucos. esta semana já houve fisioterapia, para a semana começa a terapia ocupacional. a fisioterapeuta achou-o um pouco mais desorganizado a nível motor, mas nada de grave. por outro lado está muito activo e cooperante. ontem à tarde também foi a vez de retomar o a.t.l., que vai frequantar até as aulas começarem. foi tão contente e voltou tão contente que me passou pela cabeça que talvez ele já estivesse farto de nós...

quinta-feira, setembro 06, 2007

Educação Especial


Olá, há muito que não escrevo um post, mas as férias chegaram ao fim e o recomeço ao mundo do trabalho obriga-me de alguma forma a ser mais assídua na utilização da internet e enfim encontrei um site que penso que é do todo interessante pesquisar, uma vez que pode ser útil para todos aqueles que lidam com crianças e jovens deficientes, é o site da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, do Ministério da Educação,


As Férias foram boas, aliás, o pai do Pedro já escreveu alguns posts sobre elas e agora sinto-me com mais força para continuar a caminhar enfrente. O Pedrinho continua com alguma hipotonicidade, o que é sempre motivo de preocupação e algum desânimo, uma vez que apercebo-me de alguma frustação por parte dele e nossa, por nem sempre conseguir movimentar-se com a autonomia que tinha conquistado. Espero que neste início de ano lectivo e também com a motivação de voltar a ir para a Escola, ao encontro dos seus coleguinhas e das suas Professoras, o seu tónus volte ao normal.

segunda-feira, setembro 03, 2007

varroterapia?

a constipação do pedrinho evoluiu para uma sinusite purulenta que lhe tem dificultado um bocadinho a respiração. é manifesta a falta de forças, o que exige alguém permanentemente com ele, por causa das quedas. curiosamente, o próprio pedro tem andado irritado com a sua falta de forças, o que tem o seu lado bom. é ele que tem que se controlar e lutar contra isso. com as mil e uma coisas que é necessário fazer, não é fácil alguém estar sempre disponível para estar com ele, mas é sempre possível alguém estar disponível para que o pedro esteja com ele. é uma diferença subtil, esta de estar com o pedro ou o pedro estar conosco. estar disponível para o pedro, ou integrar o pedro naquilo que estamos a fazer. no sábado eu tinha que varrer as folhas caídas ao longo destas semanas numa zona de escadas e pátios, uma zona perigosa para o pedro, portanto, mas decidi avançar com a tarefa, com o auxílio dele. preparei um balde, uma pá e uma vassoura. tinhamos que varrer, apanhar as folhas com a pá, despejar a pá para dentro do balde, e quando o balde estivesse cheio, depejá-lo para um gende saco de plástico de 100 litros. demorei o dobro do tempo, mas a actividade acabou por dar frutos inesperados. lá fomos, escadas acima, escadas abaixo, primeiro varrendo, depois apanhando, depois despejando. qualquer das tarefas exige coordenação motora bimanual, e o pedrinho, logicamente, quis executar todas. varrer, afinal, pode ser uma terapia, e o rapaz não se saiu mal de todo.

"com tomates"

o blog do rodrigo atribuiu há uns tempos o prémio "blog com tomates" ao vida com pedro. é com orgulho que ostentamos o respectivo selo na barra lateral. é suposto nomearmos outros blogs para o mesmo prémio, mas decidi não o fazer directamente. "com tomates" são os autores de todos os blogs que aparecem na barra lateral com a designação "mundos especiais" e "mundos de silêncio". não consigo distinguir mais uns do que outros. "com tomates", são todos os pais e todos os cidadãos portadores de deficiência que não baixam os braços e lutam pela habilitação dos seus filhos e contra as hipocrisias e ignorâncias da nossa sociedade. em comentário a um dos posts dedicados ao josé lima, alguém dizia "Infelizmente é preciso gente assim para abrir os olhos aos nossos governantes, e mesmo assim não sei se vão lá!". não sei se é apenas aos nossos governantes que é preciso abrir os olhos. o respeito e a tolerância não se legislam. numa sociedade verdadeiramente plural e democrática, não é preciso que os governantes intervenham muito. é preciso abrir os olhos aos arquitectos, engenheiros e construtores civis que planeiam e executam os edifícios. é preciso abrir os olhos aos empresários e empregadores, para que vejam que um cidadão portador de deficiência, como o josé lima, tem a vantagem de apreciar mil vezes mais a oportunidade de trabalhar e poder ser uma mais valia de peso para a empresa. é preciso abrir os olhos de muitos pais de coleguinhas dos nossos filhos. é preciso abrir os olhos de todos os cidadãos que estacionam em lugares reservados a viaturas de cidadãos portadores de deficiência. é preciso abrir os olhos a autarquias e gestores de apoios de praia, para que todos tenham acesso a esse meio riquíssimo de experiências que é a praia. é preciso abrir os olhos a todos os que estacionam em cima de passeios e passadeiras dificultando a circulação de peões e cidadãos com necessidades especiais em termos de mobilidade. toda uma revolução de mentalidades.

sábado, setembro 01, 2007

regresso

e essas férias?, perguntavam-nos em comentários ao post anterior. que dizer das férias? são sempre curtas... a viagem foi óptima, a holanda é um país de que gostamos, não foi a primeira vez que lá fomos. uma sociedade organizada e pensada para todos, talvez por razões históricas que deram ao povo holandês uma noção enraizada de sobrevivência colectiva. uma sociedade plural. ficámos mais uma vez com uma pontinha de inveja. diferenças enormes em termos de acessibilidades, practicamente não há escada que não tenha a rampa ou o elevador correspondente. é vulgar ver pessoas sozinhas em cadeiras de rodas motorizadas circulando pelas cidades. primeiros dias em amsterdam, depois andámos à deriva pelo país, no meio de vacas, moinhos, campos cultivados, muita água, autoestradas e zonas de industrialização macissa. descobrimos um pequeno paraíso ecológico na ilha de texel, no norte, e maravilhámo-nos com as gigantescas infraestruturas para controlo do mar do norte. desígnios nacionais que tiveram respostas colectivas nacionais.

tivemos saudades dos nossos filhos, como não podia deixar de ser. do pedrinho, muitas. ao regressarmos encontrámo-lo constipado e cheio de saudades nossas, uma explosão de alegria quando nos viu no aeroporto. as férias continuam para mim mais uma semana, a mãe do pedro regressa ao trabalho na próxima semana. tempo de planificações para o novo ano. regresso às terapias, a.t.l. até ao início das aulas, um novo ano escolar.

quarta-feira, agosto 29, 2007

abrir os olhos (nem que seja à força)

estamos de regresso. a primeira busca que fiz na net foi para saber como tinha acabado a volta a portugal em cadeira de rodas. fiquei contente por saber que josé lima conseguiu acabar com sucesso o seu protesto contra a discriminação dos cidadãos portadores de deficiência. anuncia-se já para o próximo ano a repetição da viagem, mas desta vez em grupo, cerca de 20 participantes. este país precisa destas coisas, infelizmente, mas ainda bem que acontecem. se os nossos concidadãos não conseguem abrir os olhos por si próprios, bem hajam os "josés limas" que lhos abrem à força.

sábado, agosto 18, 2007

agosto com pedro

o novo cartão da tvcabo dá acesso temporário a todos os canais. penso que o pedro gostará de ver o disney channel, mas ele pede-me é ciclismo. desde o tour de france que se fixou no ciclismo. se não houver ciclismo, faz-me o gesto de corrida, que é como quem diz atletismo. também não há atletismo, mas há saltos de ski em pista de relva. faz-me o gesto com a mão fechada e com o polegar esticado, um gesto comum aos gestos que os ouvintes empregam enquanto falam e que quer dizer ok!. continua fixado nos canais de desporto, só não o deixamos ver desportos de combate por razões óbvias, por vezes a violência é demasiada. não temos um gesto genérico para desporto, mas o vocabulário dele vai aumentando. pedalar para ciclismo, correr para atletismo, futebol, bola ao ar para voleibol. decididamente o desporto é uma paixão.

o pedrinho está de férias em casa desde o início do mês, eu tenho estado a trabalhar até ao feriado de dia 15, o que quer dizer que ele tem estado principalmente com a mãe. o irmão mais velho já tem a sua vida própria, trabalhou num bar também até ao feriado e depois foi acampar com amigos, a irmã esteve de visita aos primos na suíça. pedro a tempo inteiro com a mãe e agora comigo também. o rapaz está exigente e confiante. tentamos desenvolver a sua autonomia e diminuir a sua dependência, mas logo de manhã, vem a andar, descalço, desde o quarto dele até ao nosso (nova conquista). já não gatinha. não descansa enquanto não nos acorda, todo ele é energia, dormir até mais tarde nem pensar.

as pequenas hipotonias voltaram, uns dias mais outros menos. duas crises de epilepsia pelo meio, para nos relembrar que ela existe e que estes seis meses sem crises foram apenas um interregno. chegamos a recear uma nova série de crises, mas parece que não. a última foi há 12 dias, à beira de uma piscina, com a mãe e a irmã enquanto eu estava no trabalho. agora que ele anda autonomamente, receei que se as hipotonias regressassem lhe iriam prejudicar a marcha, mas parece que não. de vez em quando as pernas fraquejam, mas a vontade dele de andar supera as dificuldades. fico contente por isso.

pedrocas a tempo inteiro não é pera doce, como se costuma dizer. tudo acaba por rodar à volta dele, em função dele. estando de férias não nos apetece ser muito sistemáticos, muito regrados, mas o standing e a tala nocturna não podem faltar. os banhos de piscina também não, que a água é um excelente meio de diversão e de mobilização. embora o professor de natação não goste, vai para a água de braçadeiras pois isso dá mais liberdade a todos. começa a usar o braço direito para nadar, em alternância com o esquerdo, feito que não conseguimos desenvolver nas aulas de natação. na zona onde ele "tem pé", tiramos-lhe as braçadeiras às vezes. acima de tudo, o que importa é a brincadeira e a descontracção, o estarmos bem em família. por vezes penso que talvez pudessemos aproveitar esta nossa disponibilidade total para o estimularmos mais, mas acredito que ele e nós também temos direito a simplesmente estarmos de férias e não sentirmos a pressão da sistematização, dos horários, das obrigações.


segunda-feira vamos viajar. só nós dois, o casal, que temos direito a estarmos só os dois durante uns dias. dedicarmo-nos exclusivamente um ao outro, que a vida por vezes, no meio do reboliço e da azáfama, quase não nos deixa estar em contacto. é um acto de egoismo, poderão pensar, mas os pilares fundamentais têm que ser reforçados, pois são eles que aguentam toda a estrutura. o pedrinho e a irmã vão ficar bem entregues aos cuidados do avô paterno, vai perguntar pelos pais, mas vai continuar com a sua piscina, com os seus passeios, com a sua vida. e nós, quando regressarmos, vamos vir com as energias renovadas.

quarta-feira, agosto 01, 2007

de viana do castelo a faro

josé lima, um paraplégico de 52 anos residente em viana do castelo, iniciou hoje a sua "volta a portugal em cadeira de rodas", uma viagem de 731 km ao longo de 21 dias. uma prova de força e uma chamada de atenção para todo o povo deste país, que muito tem a aprender em matéria de cidadãos portadores de deficiência. um exemplo digno do maior respeito. a agência lusa, em notícia divulgada no dia 16 de julho fala deste homem e da sua aventura. força josé lima.

"Um paraplégico vai ligar Viana do Castelo e Faro em cadeira de rodas, numa viagem que decorrerá de 01 a 21 de Agosto e que pretende ser um "grito de protesto" contra a "discriminação" dos deficientes em Portugal.

"Estamos no Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades, mas falar de igualdade de oportunidades em Portugal é falar de uma grande treta. E é isso que eu quero denunciar com esta viagem", disse, à agência Lusa, José Lima, natural de Ponte de Lima mas residente em Viana do Castelo.

Numa cadeira adaptada com "pedais manuais" e uma espécie de caixa de velocidades, José Lima prevê efectuar o percurso em 21 etapas, percorrendo entre 35 a 40 quilómetros por dia.
José Lima já escreveu a várias câmaras municipais pedindo ajuda para as pernoitas, mas - frisa - "contam-se pelos dedos" as que já lhe responderam.

"Não faz mal. Levo comigo um saco-cama e dormirei na rua, frente às câmaras que não me derem apoio", garante o deficiente.

Com 52 anos e paraplégico desde 1997, depois de "esmagado" por um elevador que estava a reparar no Ministério das Finanças de Angola, José Lima, licenciado em electrónica industrial, diz que está desempregado há três anos e queixa-se que todas as portas se lhe fecham automaticamente, quando se apresenta numa qualquer empresa em cadeira de rodas.
"Enquanto que o contacto é meramente telefónico, as coisas parecem bem encaminhadas. Mas quando apareço na empresa em cadeira de rodas, as coisas mudam radicalmente de figura. Às vezes, parece que estão a ver um fantasma", ironiza.

José Lima frisa que este é apenas um dos aspectos da "discriminação" de que os deficientes são alvo em Portugal.

"Há mais, muitos mais. É um sem-número deles. Já reparou o que se passa, por exemplo, com os transportes? Como é que eu, por exemplo, vou à cidade de Viana de autocarro? Entro como, se os veículos não estão adaptados? E se quiser viajar de comboio, à excepção do Alfa ou do Intercidades, como entro?", questiona.

Mesmo com uma incapacidade física de 80 por cento, José Lima diz que não recebe qualquer pensão da Segurança Social, já que este organismo alega que ele não está incapacitado para o trabalho.

"É verdade. Não estou incapacitado e o que eu mais quero é trabalhar. Estou inscrito no Centro de Emprego e manifesto-me disponível para cerca de uma dezena de áreas de trabalho diferentes. O problema é que ninguém me dá trabalho", queixa-se.

Mesmo assim, e assumindo-se ser da raça "antes quebrar que torcer", José Lima montou uma minigráfica em casa, onde já editou os seus dois primeiros livros e outras obras assinadas por autores da região. "Sempre me dá para ganhar algum", refere. Com gosto pela escrita, garante que já tem na gaveta material para, pelo menos, mais dois livros, admitindo que da sua volta a Portugal em cadeira de rodas poderá também sair um bom "argumento" para mais uma obra."

© 2007 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

domingo, julho 29, 2007

post nº 100

com este post, são 100 os bocados da vida com pedro que foram expostos ao mundo. começámos porque, por vezes, certos aspectos da vida com uma criança portadora de deficiência são muito solitários, mistificados e escondidos. solitários porque nos tornamos numa família diferente das outras, embora basicamente sejamos muito semelhantes e na maioria das componentes que fazem uma vida familiar sejamos iguais. mas apesar de tudo diferente. ter a responsabilidade de dar a volta por cima, arregaçar as mangas e aplicar grande parte das nossas energias à tarefa de habilitar uma criança que no seu percurso de crescimento sofreu um forte revés, modifica interiormente e é uma ocupação que requer a disponibilidade que esta vida agitada deste início de século muitas vezes não dá. reinventar o tempo, reinventarmo-nos a nós próprios, puxar energias lá do fundo são estratégias que frequentemente têm que ser utilizadas. e não nos queixarmos, não termos pena de nós próprios, são processos que levam o seu tempo. nunca mais somos os mesmos, mas isso não é necessariamente mau. mistificados e escondidos porque muitas vezes a deficiência não é vivida com normalidade, num mundo onde somos constantemente bombardeados com imagens preconcebidas de perfeição física e bem estar eterno. a casa perfeita, o emprego perfeito, o corpo perfeito, a família perfeita. tudo arquétipos largamente difundidos pelos media e completamente desfasados da realidade. as pessoas com deficiência e as suas famílias são parte integrante da sociedade, têm direito à sua dignidade. se este mundo fosse justo, aproveitaria todo o seu potencial. é triste verificar que muitas vezes são encarados como assunto exclusivo das famílias e não como uma responsabilidade social. o nosso habitat urbano não está ainda preparado para que todos circulem livremente e tenham acesso a todos os recantos públicos. muitos serviços continuam sem acessibilidade para quem tem capacidades diferentes e percepciona o mundo de outras maneiras. quando o indivíduo com deficiência puder usufruir, em toda a plenitude, da vida colectiva, teremos dado um salto evolutivo civilizacionalmente. até lá, muito há a fazer, muito tabú e preconceito há a quebrar.

estes textos deste blog são fragmentos de um contínuo. por vezes são mais desesperados, por vezes mais inspirados, umas vezes doces, outras mais amargos, hoje mais sonhadores, amanhã mais derrotistas. no fundo, toda a palete de tonalidades que compõem a vida que, felizmente, é tão rica. são um desabafo, mas também um veículo de comunicação com quem passa por experiências semelhantes. quer do ponto de vista dos pais, quer do próprio, quer dos profissionais, quer dos cidadãos que olham à sua volta e realmente vêem o outro, aqueles para quem a palavra comunidade é importante. e não tenhamos dúvidas de que os nossos filhos pertencem à comunidade e têm o direito de usufruir de tudo o que ela tem para oferecer às suas crianças.

sábado, julho 21, 2007

update

já tinha saudades de escrever neste blog. a vida com o pedro vai fluindo, o nosso dia-a-dia vai-se desenrolando, e a verdade é que nem sempre há grandes novidades para contar nem grandes reflexões a fazer. a vida com uma criança portadora de deficiência é como a vida com as outras crianças, feita de rotinas, de momentos. o pedro está bem. continua a frequentar o a.t.l. onde não sabem muito bem comunicar com ele e onde é a única criança com deficiência, enquanto não entramos de férias. temos tido algumas queixas de manifestações de agressividade da parte dele em relação a algumas crianças, mas nada de especial. as crianças na idade do pedro conseguem ser bastante crueis e penso que a agressividade é a sua resposta. preocupante seria se ele não reagisse. noto alguma indiferença dos meninos da idade dele. quando ele chega, normalmente tem manifestações de carinho por parte dos mais pequenos, miúdos com 3, 4 anos, mas é notorio que o seu gupo etário o ignora um pouco. por duas ou três vezes o vi querer despedir-se de miúdos da idade dele fazendo-lhes adeus, sem obter resposta. ninguém gosta de ser ignorado e o pedro não é excepção. um balão de ensaio para a vida futura em que ele vai ter que lidar com as agruras e as frustrações de ser diferente.

fomos à revisão com o fisiatra e com a neuropediatra. o fisiatra continua a achar que ele mais tarde ou mais cedo terá que ser novamente operado à perna direita. a retracção dos músculos posteriores está aparentemente estabilizada e o processo de marcha vai progredindo. as botas com que ele aprendeu a andar deram o berro, vieram outras que ficaram mal feitas e ao fim de 3 semanas estavam impraticáveis, porque não lhe estimulavam a extensão completa das pernas ao andar. durante uns dias andou com os joelhos bastante flectidos e foram necessárias novas botas, que chegaram há uma semana. estas estão bem, mas como ele se tinha habituado a uma posição mais baixa, nos primeiros dias andou um bocado confuso porque teve que reposicionar os centros de gravidade e a sua postura, mas com a sua persistência e vontade de autonomia depressa recuperou o controlo. isto faz-me pensar num dos aspectos que eu gosto menos desta vida com ele, que é a dependência real em relação à qualidade do trabalho feito por outras pessoas. se umas botas não estão bem, não podemos pura e simplesmente ir comprar outras. temos que esperar que elas sejam feitas e confiar que desta vez fiquem bem. não podemos pura e simplesmente virar costas e partir para outra quando as coisas não correm bem.

a neuropediatra gostou muito de o ver, já não o via há mais de 6 meses e os progressos dele são notórias em todas as áreas. foi uma consulta demorada em que registou os progressos do rapaz e falou-se de tudo um pouco. é uma pessoa bastante humana e positiva que nos dá forças para continuarmos com a nossa labuta. falámos na questão das avaliações escolares e do plano educativo individual. concordou com a nossa postura em recusar os adjectivos relativos aos atrasos no desenvolvimento dele, não servem para nada, só colocam areia na engrenagem.

entretanto, as relações ficaram um pouco tensas com a psicóloga da unidade no fim do ano lectivo, desde a tal reunião em que pusemos em causa as suas avaliações. mal nos fala. por mim, gostava que as pessoas que lidam com estas crianças compreendessem duma vez por todas que o que está em causa não somos nós, adultos, e os nossos pequenos egos, mas sim eles, as crianças, e que nós temos é que estar ao seu serviço e a lutar em conjunto, com o objectivo de optimizarmos o seu potencial. mas talvez isso seja utopia.

bem, meus amigos, este post já vai bem longo, vou tentar escrever com maior assiduidade e coisas mais pequenas e menos dispersas. até breve.

terça-feira, julho 10, 2007

colecção de textos

encontrei uma colecção de textos interessantes sobre epilepsia. para desmistificar.

domingo, julho 01, 2007

os meninos fazem chichi de pé

andamos a treinar. fazer chichi sentado não dá jeito nenhum para um homem, não é natural. é difícil controlar o jacto para não sair em repuxo para fora do perímetro da sanita, é uma chatice. quem viu "as confissões de schmidt", um excelente filme com jack nicholson, sabe bem o que as frustrações acumuladas podem fazer a um homem que é obrigado a fazer chichi sentado. para o pedro não é fácil a coordenação necessária para fazer chichi de pé. é uma sequência de acções que ele ainda não domina, mas que andamos a treinar. primeiro, equilibrar-se à beira da sanita, de maneira a que o jacto vá para o sítio desejado. depois, apoiar-se no autoclismo com a mão direita, baixar os calções e as cuecas com a mão esquerda e esvaziar a bexiga. finalmente, roupa para cima e descarregar o autoclismo. mais cedo ou mais tarde teremos que instalar uma barra de apoio, para lhe facilitar a vida, mas como ele não vai encontrar disso em todas as casas de banho, não lhe faz mal nenhum treinar sem esse facilitador. qualquer das fases ainda exige muito dele e tenho que ajudá-lo, principalmente a parte que tem a ver com roupa para baixo e roupa para cima, muitas vezes caem umas pingas em sítios indesejados, mas o que interessa é ir treinando.

sexta-feira, junho 29, 2007

pedrinho de férias, pais a trabalhar

fim de ano lectivo. pedrinho de férias e os pais a trabalhar. não é simples resolver esta questão com qualidade. nas pausas lectivas o pedro frequenta um a.t.l. é uma instituição de que ele gosta, mas onde não sabem comunicar com ele em língua gestual. ou melhor, vão aprendendo, aos poucos, com ele. nos primeiros dias houve um pouco de confusão, com descontrolo de esfíncteres e alguma instabilidade, mas ontem e hoje as coisas já parecem ter corrido melhor. nesta instituição, há sobretudo boa vontade. quando a procurámos, no início do ano lectivo, não foi fácil encontrá-la. a maior parte dos sítios não estão minimamente preparados para acolher crianças como o nosso pedro. espaços exíguos e por vezes sobrelotados, pura má vontade e recusa em trabalhar com crianças especiais (vindas de instituições com um grande "elan" na sociedade farense), a mãedopedro encontrou de tudo. nesta instituição que o pedro frequenta, houve sobretudo abertura e capacidade para arriscar. nunca tinham trabalhado com uma criança portadora de deficiência, mas acolheram-no com bastante naturalidade. é um espaço amplo e agradável, e acho que é lá que o pedro vai aprender a correr, com os outros meninos. os outros miúdos fazem imensas perguntas, que vamos respondendo com paciência, mas no geral parece-me que aceitam o pedro bastante bem. com o seu feitio, o pedro já conquistou todos os adultos. como esta pausa lectiva é das grandes, tiveram que aprender a lidar com o standing frame, o que ocorreu sem grandes sobressaltos e manifestações de incómodo. não é a situação ideal, principalmente por causa da pouca comunicação. estamos um pouco apreensivos com a possibilidade de regressões. se com crianças sem deficiência a sociedade cada vez reclama mais o funcionamento das escolas durante mais tempo, no caso destas crianças deveria haver mais apoios. a parte boa da questão, é ter o pedro inserido num contexto de normalidade. dá-lhe estímulos diferentes e obriga-o a lidar com questões diferentes e com a sua própria diferença. temos sempre que ver o lado bom das coisas.

segunda-feira, junho 18, 2007

ilhas sociais? não obrigado!

um psicólogo que trabalha nestas áreas das crianças com deficiência e respectivas famílias disse-nos há uns tempos que as famílias com crianças portadoras de deficiência tinham tendência para se tornarem ilhas sociais. com esta expressão queria ele dizer que o facto de existir uma criança com essas características seria factor de isolamento social do todo familiar. acredito que sim, que é verdade, é difícil gerir as reacções que muitas vezes os outros, amigos ou não, têm, sendo por vezes mais fácil ficar em casa e "desligar" do mundo, correr as cortinas e não querer saber, não querer lidar com essas sensações incómodas. nada mais errado. lutar contra esse isolamento social é mais uma das "missões" que temos a nosso cargo como pais, pois o preço desse isolamento é demasiado caro, para nós, para os irmãos, para a própria criança. este fim de semana fomos a uma festa de anos de uma amiga, toda a família. embora conhecessemos alguns dos outros convidados, havia muita gente com quem estávamos a lidar pela primeira vez. como o pedro está nesta fase exuberante de exploração da sua autonomia física, não parou um momento, de início, a querer explorar aquela casa desconhecida, era impossível não se dar por ele. passada aquela fase inicial de convívio entre pessoas que não se conhecem, correu tudo optimamente. foi muito bom verificar que ele foi bem aceite por todos, conhecidos e desconhecidos, não houve daquelas reacções idiotas de coitadinho, o que é que aconteceu com o menino, nem conversas a tentar aprofundar o assunto, de pretensa compaixão, de cuscuvilhice. apesar de ser surdo, o pedro é bastante comunicativo, mesmo com estranhos. mete-se com as pessoas, tenta comunicar à sua maneira. foi isso que fez. esteve a brincar no quarto onde estavam reunidos as crianças e adolescentes, cirandou por toda a casa e, quando o sono chegou, foi dormir para a cama dos donos da casa. o serão prolongou-se e já era bastante tarde na madrugada quando regressámos a casa. tivemos que acordá-lo, agasalhá-lo e voltar para o nosso aconchego. tal como faziamos com os irmãos quando eles tinham a idade do pedro.

sábado, junho 09, 2007

alma de desportista

não tenho dúvidas de que o pedro tem alma de desportista. cada vez mais os seus programas de televisão favoritos são programas de desporto, já quase não quer saber de desenhos animados. adora um jogo de futebol, provas de natação, ténis e tudo o que sejam desportos radicais. bicicletas rodopiando pelo ar, skaters, tudo o que tenha acção. assim, não vale a pena pôr o canal panda ou o nickelodeon, o que ele quer mesmo é o eurosport ou o extreme sports channel. as tardes de desporto da rtp2 também têm o seu acordo. ao mesmo tempo, a sua performance com a bola modificou-se substancialmente. na última vez que escrevi sobre isso aqui, há uns 6 meses atrás, ainda ele só conseguia jogar à bola agarrado às costas do sofá da sala, se perdia esse apoio, caía. hoje em dia dá chutos sem qualquer apoio e vai treinando o transporte da bola com os pés enquanto vai andando. terei que incluir os paralímpicos nos planos para o futuro?

quinta-feira, maio 31, 2007

noção proprioceptiva e heminegligência

hoje estava com o pedro na caixa do supermercado, a colocarmos as compras no tapete rolante, e dei por mim a observar como o pedro usa actualmente a mão direita (o lado lesado) quando precisa dela. eu passava-lhe os artigos e ele apanhava-os um em cada mão e ia-os dispondo no tapete. lembrei-me dos primeiros tempos e da luta que foi para ele vencer a heminegligência direita. como a mão não era eficaz na preensão, tinha tendência para esquecê-la. na altura explicaram-nos que o cérebro vai construindo a imagem do corpo à medida que os estímulos vão chegando vindos das diferentes partes que constituem o todo. quanto mais um determinado segmento é utilizado, mais se reforçam as ligações neurológicas e as vias de controlo. se, devido à lesão, o segmento não se mover expontâneamente, as vias alternativas não se estabelecem e o cérebro não toma consciência desse segmento. quando nascemos, não temos noção dos limites do nosso próprio corpo, esta noção proprioceptiva é construida à medida que aprendemos a utilizar e controlar todos os segmentos, à medida que os músculos vão enviando estímulos através dos neurónios motores e as ligações entre os vários neurónios das vias motoras se vão estabelecendo. durante muito tempo o pedro apresentava pois esta negligência em relação ao braço direito, às vezes era como se aquele membro não fosse dele, como se ele não tivesse qualquer controlo. foi à custa de muita estimulação e de forçar que ele utilizasse a sua mão direita que conseguimos que ele a incorporasse no seu esquema corporal, na sua autopercepção. lembro-me que o forçavamos a utilizar o braço e a mão direita colocando objectos fora do alcance do lado esquerdo. mesmo assim, a tendência dele era para se movimentar de modo a que a mão esquerda chegasse ao objecto. frequentemente tinhamos que inibir o braço esquerdo e forçá-lo a utilizar o direito. outra guerra foi o desenvolvimento das reacções protectoras de extensão nesse lado lesado, mas também isso foi conseguido à custa de muita persistência. claro que, ainda hoje, a mão direita do pedro não é eficaz em termos de motricidade fina, mas actualmente é um auxiliar precioso para as actividades bimanuais e mesmo para algumas actividades monomanuais. o trabalho de estimulação nos primeiros tempos foi crucial nesta conquista, por isso partilho isto hoje aqui.

terça-feira, maio 29, 2007

factores incontornáveis

não deixa de me parecer estranho que nos comentários ao post anterior quase que se tenham estabelecido dois campos, dois lados: o dos pais e o dos técnicos/educadores/professores, como se não lutássemos ambos pelos mesmos objectivos. a bem da verdade quero deixar bem claro que neste nosso percurso encontrámos profissionais dedicadíssimos, com verdadeira paixão pelo seu trabalho. a dicotomia, a haver, será estabelecida pelo simples facto de nós, pais, estarmos envolvidos a um outro nível com carácter de permanência. quero acreditar nas boas intenções de todos os profissionais que lidam com o pedro, mas há factores que são incontornáveis. vão-me dizer que a comparação é infeliz, mas é a única que me ocorre, dentro do meu universo profissional. trabalho num laboratório de análises clínicas, numa área bastante sensível, que tem a ver com o diagnóstico da infecção pelo HIV. como responsável pelo funcionamento do laboratório, asseguro que nenhum diagnóstico da infecção seja feito sem ter a certeza absoluta do resultado, uma vez que por vezes há resultados falsamente positivos. isto dá mais trabalho, exige repetições, duplicação de amostras, realização de testes confirmatórios que depois não são pagos ao laboratório, mas a minha capacidade de me colocar no lugar do outro, da pessoa que poderia receber um diagnóstico errado, não me deixa actuar doutra forma. sei no entanto, que há outros laboratórios nesta cidade que não tomam todos estes cuidados, e que se justificam dizendo que um resultado positivo no teste de despiste pode ser um falso positivo, e que toda a gente deve saber isso. em ambas as situações, estamos a trabalhar dentro da legalidade, aquilo que eu faço a mais não me era exigido tecnicamente, é uma exigência que eu faço a mim mesmo como ser humano. isto é um aspecto. outro aspecto é que quando tenho que comunicar o diagnóstico a uma pessoa infectada, e posso assegurar-vos que a notícia tem sempre um impacto terrível, por muita empatia que eu possa sentir e por muito cuidado que eu possa ter nas palavras que utilizo e na maneira como conduzo a conversa, quem tem que viver com a situação é a pessoa infectada. por muito que eu explique e aponte as soluções terapêuticas actuais que permitem a estas pessoas levarem uma vida dentro da normalidade, a situação é-me alheia. eu, quando termino o meu trabalho, vou à minha vida, o problema fica lá com o outro. não me interpretem mal, não quero de maneira nenhuma comparar a situação de ter um filho portador de deficiência com a situação de ter uma infecção pelo HIV. quero realçar apenas que os nossos meninos, para técnicos/educadores/professores, são o objecto do seu trabalho, mais ou menos dedicado conforme os casos, sempre tecnicamente aceitável. sobre quem recai realmente a responsabilidade permanente por eles é sobre nós. e esta diferença é fundamental. é por isso que não me parece boa política subvalorizar a visão que os pais têm dos filhos. e por ser esta uma área muito sensível, sempre que nos aparece um técnico/educador/professor que é capaz de dar algo mais do que aquilo que lhe é exigido legal e tecnicamente, a tal empatia, a tal capacidade de se colocar no lugar do outro, aquece-nos por dentro.

sexta-feira, maio 18, 2007

planos, inspectores e normalidade (seja lá isso o que fôr)

perguntava-me a maria, em comentário ao post anterior, qual a capacidade de intervenção dos pais nos planos que são feitos para os seus filhos. se calhar é melhor falar aqui um pouco sobre estes documentos. enquanto o pedro frequentava a intervenção precoce na a.p.p.c., todos os anos era efectuado o p.i.a.f., plano integrado de apoio à família, onde eram traçados os objectivos para esse ano em relação ao pedro. o plano era elaborado pelos diferentes técnicos intervenientes (terapêutas, educadores, psicóloga, etc) e depois discutido em reunião com todos, incluindo os pais. nesse plano constavam as avaliações efectuadas pelos diferentes técnicos e os objectivos cognitivos, de desenvolvimento motor, de controlo de esfíncteres, and so on. na reunião eram incluídos os pais e elementos das outras instituições onde o pedro estava integrado, nomeadamente creches e jardins infantis que o pedro frequentava. não sei indicar a legislação que sustenta estes planos, mas suponho que uma busca na net produza frutos. desde que o pedro integra a unidade de apoio aos surdos, existe o p.e.i. (plano educativo individual), que é semelhante ao p.i.a.f., mas não tão abrangente, porque não inclui elementos de outras instituições. como alunos especiais que são, estes meninos não seguem os conteúdos programáticos normais do seu ciclo de estudos. mais uma vez não sei qual a legislação, essa parte sempre foi área da mãedopedro, que está dentro do sistema educativo. é elaborado um p.e.i. para cada ciclo de estudos. o pedro teve um no pré-escolar e agora foi elaborado o correspondente ao 1º ciclo. quer o p.i.a.f. quer o p.e.i., devem analisados pormenorizadamente, pois eles só têm validade depois de assinados pelos pais. neste p.e.i. do 1º ciclo, que considerámos pouco ambicioso, havia dois ou três adjectivos qualificativos dos atrasos de desenvolvimento do pedro (físico e cognitivo), com os quais não concordávamos. tivemos hoje a reunião para discutir o assunto. os adjectivos eram "grave" e "acentuado". não temos dúvidas de que o pedro tem atrasos no seu desenvolvimento, se comparado com a normalidade, mas qualificar, parece-nos abusivo. quais são as escalas? quantos graus existem? grave corresponde a quê? e acentuado? enquanto que em relação à surdez existe uma escala e quando se fala em surdez profunda toda a gente sabe o que isso quer dizer, em relação aos atrasos de desenvolvimento, não há sistematização e o "grave" para uns, pode ser "moderado" para outros, dependendo do contexto e do universo de referência. a reunião nem correu bem nem mal. conseguimos que o adjectivo "acentuado" caísse, não nos souberam explicar exactamente o que queria dizer, a que grau da "tabela" correspondia. o "grave" ficou lá, salvaguardado com uma expressão do tipo "mas com francos progressos".
depois destes anos todos com o pedro, não conseguimos olhar para ele como tendo atrasos graves ou acentuados. rejubilamos com os progressos dele e valorizamos as suas conquistas. se calhar perdemos a noção de normalidade, mas hoje constatámos que essa noção está bem presente em muitas pessoas, que olham para o nosso pedrocas através dela. ficámos a saber que recentemente esteve na unidade um grupo de senhores inspectores, que ao lerem o projecto de plano para o pedro, o consideraram muito ambicioso. esse mesmo que nós achámos pouco ambicioso. imagino que devem ter olhado para o miúdo e do alto da sua ignorância fizeram uma ideia rápida e falsa, recheada de todos os preconceitos habituais. muito ambicioso? e não temos que ser ambiciosos com estes meninos? a triste e crua verdade, é que temos que prepará-los para uma sociedade que vai sempre olhá-los através das lentes do preconceito, em comparação com um padrão de normalidade, que vai sempre olhar para as suas imperfeições. a batalha vai ser dura, não vale a pena fingir que não.

terça-feira, maio 15, 2007

aparentemente são apenas palavras

este blog tem andado meio calado, porque está triste. não sei se tristeza será o termo mais adequado, talvez seja mais desânimo... ou talvez não. o plano educativo individual proposto pela escola do pedro tem algumas frases com as quais não concordamos, por serem redutoras das expectativas no pedro, e consequentemente, indício de um menor investimento por parte dos agentes intervenientes. a avaliação psicológica então deixa muito a desejar. vê-se à légua que foi elaborado à pressa, para despachar serviço, começando por se afirmar que não se têm instrumentos de avaliação adequados à situação do pedro e terminando com uma avaliação nada abonatória, que não reproduzo, porque ainda vai ser objecto de discussão em reunião próxima. incomodam-me sobremaneira estes técnicos que do alto da sua doutorice lançam frases sem pensarem nas consequências que o registo escrito pode ter. dizem-nos os leitores deste blog, habituados a estas andanças, que não se pode ligar muito a isto, que os principais motores da estimulação dos nossos filhos temos que ser nós. não concordo. ou por outra, não aceito. os técnicos que trabalham com os nossos meninos têm que ser tão bons e tão conscientes do seu trabalho e das consequências dos seus actos como qualquer outro profissional. como nós temos que ser bons nas nossas actividades profissionais e pensarmos nas consequências dos nossos actos. temos que confiar que quem lida com os nossos filhos "especiais" está ali para dar o seu melhor, em função das crianças, e não em função dos seus interesses pessoais, da sua promoção, ou da defesa de uma pretensa infalibilidade. se não têm essa capacidade, então nunca deveriam ter vindo trabalhar para uma área tão sensível como esta. incomoda-me também quem não é capaz de aceitar que errou, que foi leviano, e tenta perpetuar o erro, porque têm uma estranha regra interna que lhes diz que, aconteça o que acontecer, não podem admitir o erro ou a precipitação.
o que salva esta questão, espero eu, é que estes documentos têm que ter a aprovação dos pais ou dos encarregados de educação. nunca devem ser assinados sem serem lidos atentamente, digo eu que já meti argoladas neste campo. são registos que ficam no processo dos alunos e que podem servir de escudo para o não investimento ou para o baixar dos níveis de exigência, no futuro. um registo, que surge num determinado contexto pode ser completamente descontextualizado e utilizado com outro sentido. dizem-nos que estes planos podem sempre ser revistos e o seu conteúdo alterado de acordo com a evolução dos alunos, mas é melhor não confiar.
claro que não é a primeira vez que isso nos acontece. já por duas ou três vezes que tivemos que "afastar" profissionais da equipa do pedro, por acharmos que não estavam a contribuir de maneira positiva para o desenvolvimento desta dinâmica que é a habilitação duma criança que nasce com deficiência. pessoas que só nos apontam aquilo que ele ainda não faz ou que se armam em futurologistas negativistas não nos interessam, e isto não é esconder a cabeça na areia como as avestruzes. é lutar pelo direito de acreditarmos e termos forças para darmos o nosso melhor.

quarta-feira, maio 09, 2007

Eu sei que tu sabes que eu sei

Quando o Pedrinho nasceu eu tinha no meu quarto um postal com a frase "eu sei que tu sabes que eu sei", é daquelas frases que ao longo destes anos ainda continua presente na minha memória e que frequentemente recorro a ela. Lembro-me da primeira consulta de neuropediatria e do tom técnico da Dra ao dizer que me preparasse para o pior e o pior era um túnel sem luz ao fundo. O Pedro dia a dia tem-me mostrado que os piores receios técnicos de uma médica não eram mais do que os seus receios, talvez para que nós pais preparados para o pior, ficassemos contentes com alguns progressos motores, afectivos e cognitivos do nosso Pedrinho. Pois bem, passados 7 anos o Pedro tem-nos surpreendido pela positiva, primeiro com o seu sorriso maravilhoso, depois com os seus abraços afectuosos, mais tarde com a necessidade de comunicar e a adquisição da língua gestual e há relativamente pouco tempo ensaiou a marcha autónoma e hoje em dia é um reboliço para o convencer que não pode andar pela casa toda. Hoje recebemos da Escola o Plano Educativo Individual e no meio das competências gerais e essenciais definidas para o aluno Pedro, acompanhadas da síntese da avaliação psicológia não pude deixar de ler nas entrelinhas os mesmos receios por parte dos técnicos de educação que acompanham o Pedro que outrora recebí da Dra. neuropediatra. No início, tive receio que o meu filho não fosse capaz de conseguir a sua autonomia, tanto a nível motor, como socio-afectivo e cognitivo. Hoje não tenho dúvidas de que se ele for devidamente ajudado e sem receios, conseguirá conquistá-la, apesar da sua diferença. O problema agora é convencer os técnicos a não terem medo e serem capazes de dár-lhe as armas necessárias para um dia ele também ser capaz de voar.

domingo, maio 06, 2007

dia da mãe

não sei o que é ser mãe. na prática, no dia a dia, nos cuidados com a prole, penso que não é muito diferente de ser pai. há algumas tarefas que elas fazem melhor do que nós pais, há outras que fazem pior, mas isso varia de casal para casal. mas interiormente, penso que ser mãe é muito diferente. lembro-me de sentir um grande fascínio à medida que a barriga da mãedopedro crescia durante as gravidezes. quando me era dado senti-los, quando aqueles pés ou mãos faziam pretuberâncias no ventre, já ela os sentia há muito tempo. na prática, as mães levam 9 meses de vantagem em relação a nós, sentem os filhos desenvolverem-se dentro de si e isso nós nunca poderemos saber o que é. e isso faz uma diferença fundamental. há um elo especial que nunca se quebra, que nunca experimentei, mas que me sinto feliz por poder observá-lo.

imagem: maternidade, almada negreiros, 1935

nomeados

fomos nomeados pelo grilices como um dos thinking bloggers. obrigado. dando continuidade a esta cadeia de nomeações, indicamos os nossos 5 thinking bloggers:

estou no mundo à pc - um blog colectivo, com testemunhos de pais, cidadãos com paralisia cerebral e profissionais, pela perspectiva multifacetada.

testemunha da paralisia cerebral - o blog do pedro serrano, um rapaz de 15 anos com uma alegria de viver contagiante.

baú do silêncio - um blog encerrado em janeiro deste ano, mas que contém uma colecção de textos marcantes sobre viver com surdez, escrito por silencebox.

a luta constante pela integridade - um dos blogs escrito pela memorex, uma jovem surda muito especial. embora temporariamente encerrado, de lá podem aceder aos outros blogs da autora, qualquer um vale a pena.

"estórias de um pai" - um blog sobre a paternidade, escrito com muito humor pelo paibabado.

terça-feira, maio 01, 2007

hoje foi dia de festa

faz hoje 13 anos um dos dias mais felizes da nossa vida familiar. feriado, dia da mãe, a nossa sara decidiu nascer, com toda a sua impetuosidade taurina. foi um dia de sol radioso, por fora e por dentro. por isso, hoje foi dia de festa cá em casa. ontem à noite vieram uma amiguinhas dormir numa festa de pijama e esta tarde veio o resto da pandilha. o pedro andou numa roda viva e numa grande excitação todo o tempo, ontem rodeado de meninas (que já não são tão meninas assim), hoje no meio da confusão. foi bom verificar que as amigas da irmã lidaram com ele com bastante naturalidade, apreveitaram a oportunidade para aprenderem alguns gestos e, antes do resto da pandilha chegar, o pedro esteve por várias vezes entregue a elas. claro que ontem não o deixámos ver a montagem dos colchões na sala, senão tinhamos tido birra da grossa no momento de ir para a cama. mas esta manhã lá teve direito ao seu momento de regabofe antes de se desfazer o "cenário". a sara não manifestou o mais pequeno indício de vergonha ou constrangimento em relação ao irmão, isso já o sabíamos, todos os seus amigos sabem e conhecem a história. casa cheia, todos os avós, alguns amigos nossos, o pedro estava radiante. claro que a sua nova autonomia trouxe alguns problemas numa casa de portas abertas e portões da escada retirados para permitir a livre circulação de dezena e meia de adolescentes que entravam e saiam, subiam e desciam, incessantemente, mas com a supervisão dos adultos e algumas birras pelo meio, principalmente quando a festa se concentrava no quarto da irmã que fica no piso de cima e nós não o deixávamos subir, a coisa não ficou pesada para ninguém. como há 13 anos atrás, foi um dia feliz.

sábado, abril 28, 2007

incertezas

andamos com algumas dificuldades na estimulação intelectual do pedro. nunca compreendemos muito bem quais as reais capacidades cognitivas dele. há dias em que não se consegue nada dele, está disperso, não se concentra em nada, não quer terminar nenhuma tarefa. outras vezes, tem reacções que requerem raciocínios complexos. não sei se é da surdez e da dificuldade de comunicação inerente, se é da paralisia cerebral, se é da mimalhice. o mais provável é ser de tudo junto. umas vezes sabe realizar determinadas tarefas, outras vezes parece que regrediu e desaprendeu tudo. isto dá alguma insegurança quanto ao futuro dele. outra questão, que está relacionada, é a disciplina. está difícil impôr algumas regras ao rapaz. quando nos zangamos com ele, a maior parte das vezes ri-se e repete a acção que provocou a nossa zanga. está a testar os limites, eu sei, mas isto faz com que tenhamos que nos zangar a sério e por vezes lá tem que sair uma palmada. quando eles ouvem, a modelação do tom de voz costuma ter efeitos eficazes. também é possível aplicar o mesmo princípio na língua gestual e na expressão facial, mas para ouvintes como nós, não é fácil traduzir por gestos e pela expressão o grau da nossa zanga. ser firme é uma regra de educação e de ensinamento de regras, mas com o pedro a tarefa está a ser bem mais difícil do que com os outros. fiz uma busca na net à procura de dicas ou de qualquer sistematização sobre o assunto, mas não encontrei nada. alguém tem alguma ideia?

segunda-feira, abril 23, 2007

fratria

gostei muito da discussão que se estabeleceu na sequência do post sobre impacto familiar, não foi por sadismo, foi porque acho que nos faz bem reflectirmos sobre estes aspectos da vivência com uma criança portadora de deficiência. volto hoje novamente ao trabalho que deu origem ao post, desta vez com excertos completamente centrados nos irmãos. para reflectir, contestar e aprender. mantive a terminologia que a autora empregou.

"Na literatura, está descrito em inúmeros estudos o efeito negativo da existência de um filho deficiente na saúde mental e na adaptação psicológica dos irmãos. As investigações nesta área têm sido complexificadas pelas grandes alterações no estilo de vida da criança deficiente, resultantes, mordialmente da desinstitucionalização ao longo das últimas décadas. Deste modo, as crianças deficientes mais provavelmente crescem no contexto familiar, pelo menos até à sua adolescência.
(...)
Nos anos 70 e 80, notou-se um acréscimo do interesse no impacto da criança deficiente nos seus irmãos, bem como na intervenção psicológica com estes irmãos. Lobato (1985) estabeleceu um Programa de Intervenção para crianças em idade pré-escolar, entre os 3 anos e 9 meses e os 7 anos, referindo que os irmãos de crianças deficientes desta faixa etária podiam ser particularmente vulneráveis a sentimentos de confusão e isolamento. O seu principal objectivo era fornecer aos irmãos desta idade informação factual, de forma a compreender as várias deficiências desenvolvimentais, enquanto fortaleciam a sua capacidade de reconhecer as competências e características positivas de si mesmos, dos seus irmãos deficientes e de outros membros da família. (...) Como resultado, verificaram que todas as crianças passaram a ser mais precisas na definição de deficiências específicas e nas referências às deficiências em geral. Além disso, foram notadas mudanças positivas no conteúdo das afirmações relativas a si próprios e aos elementos da família, incluindo ao irmão deficiente. Em várias alturas do Programa, os pais das crianças descreveram situações nas quais os filhos começaram a falar abertamente sobre a deficiência dos irmãos de outras crianças do grupo. Os pais referiram que esta iniciativa possibilitou grandes discussões entre eles e os filhos sobre os seus próprios casos familiares, e todos sentiram alívio e satisfação em ser capazes de ter tais conversas com os seus filhos.
Seligrnan (1983) identificou os seguintes factores que pareciam ter o potencial de contribuir para a sua inadaptação: ansiedade em relação à deficiência, falta de comunicação na família sobre a condição da criança e atitudes e respostas parentais negativas para com esta. O autor refere que estas crianças podem ser pressionadas a assumir papéis parentais antes de serem capazes de o fazer e que a responsabilidade excessiva pela criança deficiente pode levar a ressentimentos, culpa e perturbação psicológica posterior. Este stress é mais elevado nas famílias com baixo estatuto sócio-económico, que têm que confiar nos recursos internos à família; em famílias menores, onde os irmãos têm que assumir uma partilha maior das responsabilidades e nas irmãs, a quem é dada maior responsabilidade de tratar da criança deficiente. Podem também ser sobrecarregados com aspirações parentais excessivas para compensar o desapontamento e a frustração de ter um filho deficiente.
(...)
Embora a maior parte dos estudos clínicos enfatize o impacto negativo da doença ou deficiência nos irmãos, também têm sido referidos alguns efeitos positivos, não se podendo, na opinião de alguns autores, assumir incondicionalmente a presença de problemas de adaptação entre os irmãos de crianças deficientes.
Lavigne e Ryan (1979) referem um estudo de Hunt (1973), no qual verificou que alguns irmãos respondiam favoravelmente às responsabilidades acrescidas que lhes eram dadas, e que eram mais compreensivos com as crianças com problemas específicos.
(...)
Siemon (1984) refere haver uma tendência na investigação clínica para enfatizar as dificuldades e os efeitos prejudiciais da vivência com uma criança com necessidades especiais. Segundo esta autora, ela pode também ocasionar força, sensibilidade e capacidade para ver os acontecimentos do ponto de vista do outro, e afirma que há muitos estudos que referem uma maior maturidade e responsabilidade, um aumento do altruísmo e da tolerância, e uma forte orientação para interesses humanitários.
(...)
Kazak e Clark (1986) avaliaram o auto-conceito de irmãos de crianças com Spina Bífida, de 8 e 9 anos, e verificaram não haver diferenças significativas entre estes e os sujeitos do grupo controlo. As autoras afirmam que estes resultados confirmam um estudo prévio de Breslau, Weitzman e Messenger (1981), com 239 famílias de crianças portadoras de Paralisia Cerebral, Fibrose Quística, Mielodisplasia e Multideficiência, no qual os autores verificaram não haver diferenças significativas entre as pontuações globais dos irmãos, entre os 6 e os 18 anos, e as de um grupo controlo.
(...)
Fisman e Wolf (1991) referem que, apesar dos técnicos que trabalham com crianças cronicamente doentes ou deficientes e com as suas famílias desde sempre suspeitarem que os seus irmãos estão em risco de desenvolver problemas emocionais, a literatura sobre os efeitos de uma criança deficiente na fratria é inconclusiva e inconsistente.
(...)
(Num) estudo realizado no nosso país, numa perspectiva sociológica, com irmãos adolescentes de crianças deficientes, das cidades de Faro, Lisboa e Porto, Pinto avaliou a sua capacidade de interiorizar e desenvolver empatia, responsabilidade social, compaixão e outros antecedentes motivacionais de ajuda altruísta, através de um questionário elaborado pela autora. A sua hipótese era de que estes irmãos, quando comparados com um grupo de irmãos de crianças sem deficiência, apresentariam maior intensidade de atitudes sociais positivas, devido à sua experiência e aprendizagem prévias de prestação de cuidados ao irmão deficiente e de responsabilidade pelas tarefas domésticas. Verificou que o facto de crescer numa família em que existe uma criança com necessidades especiais pode constituir uma oportunidade para aprender e desenvolver atitudes sociais positivas nos irmãos, tais como empenhamento em problemas e questões sociais.
Toma-se evidente, com esta breve perspectiva dos principais estudos e pesquisas que se debruçaram sobre a adaptação psicológica dos irmãos à doença crónica ou à deficiência, que as conclusões são muito diversificados. Os resultados dos estudos sobre este tema têm sido, assim, inconsistentes, verificando-se desde um efeito desprezível até uma incidência significativa de problemas, ou pelo contrário, efeitos positivos no desenvolvimento.
(...)
Diversos autores se debruçaram sobre um aspecto específico da reacção destas crianças a um irmão deficiente, que consiste nos sentimentos que geralmente experimentam. Podem senti-los em determinado momento da sua vida, ou podem estas emoções coexistir no tempo, substituindo-se umas às outras consoante os períodos e as circunstâncias externas. Internamente a cada estrutura familiar, cada criança necessita de ser especial, e procura a segurança de um lugar único junto dos seus pais. Exteriormente à família, as crianças querem ser como os seus pares, e as diferenças entre a sua situação e a dos seus pares assumem proporções consideráveis. Ter um irmão com necessidades especiais toma estes desejos mais difíceis de obter. Podem sentir-se estigmatizados de tal forma que a sua própria normalidade fica comprometida. No seio da família, estas necessidades especiais conferem as vantagens de atenção e de privilégios extra. Os irmãos debatem-se com o medo de se sentirem com vergonha e embaraçados, ciumentos e ressentidos, apesar de também amarem o seu irmão ou irmã deficiente.
(...)
Os pais geralmente têm de dispender muito mais tempo com a criança deficiente do que com os irmãos saudáveis, no que refere às consultas médicas, tratamentos, e actividades de vida diária. É natural os irmãos se ressentirem por não terem a mesma atenção e sentirem ciúme, e é particularmente verdade no caso dos irmãos pequenos que não têm capacidade para perceber as necessidades do irmão deficiente ou doente. Nos mais velhos, pode haver ressentimento por acharem que os seus sucessos são ignorados ou dados como garantidos, enquanto que qualquer pequeno sucesso do irmão deficiente é alvo de grande alegria e elogios. Desta forma, estas crianças podem não desenvolver uma auto-estima positiva a partir do seu desempenho.
O ressentimento também é referido por Skrtic, Summers, Brotherson e Turnbull (1984), que afirmam que, à medida que os irmãos crescem, a responsabilidade de apoio financeiro do elemento deficiente da família pode ser transferido para os irmãos saudáveis. A família pode ter um acordo tácito ou explícito de que a responsabilidade pelos cuidados do irmão passe para a geração dos mais novos. Nalguns casos, os irmãos podem-se ressentir ou resistir relativamente à responsabilidade de tratar de um irmão adulto deficiente.
(...)
Nos irmãos de crianças com deficiência, Frank (1996) também refere a ocorrência de tristeza por não terem com quem brincar ou partilhar os seus pensamentos, de ressentimento pela atenção que a criança deficiente recebe ou pelo modo como ela interfere com as suas actividades, de embaraço pelo modo como o seu irmão ou irmã parece, olha, ou se comporta, de medo quando está doente ou vai ao hospital e de raiva por o seu irmão não poder fazer o que ele próprio faz, ter sempre os seus pais do seu lado, ou impedir que o irmão saudável realize algumas actividades.
(...)
No seu manual dirigido a irmãos de crianças deficientes, Meyer e Vadasy (1996) apontam as emoções de raiva, culpa, cisme, embaraço, preocupação e solidão como as mais frequentes nos irmãos de crianças e jovens com deficiência, a par de envolvimento excessivo, altruísmo, compreensão, orgulho no irmão e maturidade.
(...)
Em grupos de apoio aos irmãos de crianças deficientes, implementados por Pearson e Sternberg (1986), estes autores verificaram que os temas mais referidos eram a raiva, pela atenção excessiva que o irmão recebia dos pais; o ressentimento pelo modo como os estranhos olhavam para o seu irmão; o desagrado pelas responsabilidades de cuidar, tratar e brincar com o irmão deficiente, quando preferiam estar a fazer outra coisa, e também a raiva de pertencer a uma família considerada diferente. O proteccionismo e um sentimento de responsabilidade pela criança deficiente, sobretudo nos irmãos mais velhos, também eram frequentes nestes grupos de apoio.
(...)
Muitos pais referem preocupação sobre quando e como informar as outras crianças da família. Esta questão está muito dependente do seu nível de compreensão, mas muitos dos pais apontam a idade dos 9 ou 10 anos como a idade em que há capacidade de compreensão do problema de uma forma madura. No entanto, se for de um modo simplificado, é possível fazer com que crianças mais novas entendam que a criança com atraso é alguém diferente e necessita de atenção especial. Embora não haja uma receita geral para lhes contar, o conceito de lentidão deve ser comunicado logo que o sejam capazes de entender. A falta de comunicação numa família relativamente à condição deficiente de uma criança pode contribuir para a solidão que os irmãos sem problemas vão sentir. Podem sentir que certos tópicos são proibidos, criando um afastamento com quem se deviam sentir muito próximos . Este autor refere ainda que as decisões relativas à deficiência são frequentemente tomadas sem discussão ou explicação prévias aos irmãos que podem ser afectados por certos actos.
França (1994) chama a atenção sobre a necessidade de a informação sobre a deficiência ser também prestada à fratria; esta é dada exclusivamente aos pais, ficando os outros membros da família excluídos de dados importantes relativos a um dos seus membros. Esta autora refere que a informação deve ser dada o mais cedo possível aos irmãos mais velhos, e logo que o diagnóstico da deficiência é feito, quer sobre a sua natureza, quer sobre as suas causas. Os irmãos mais novos devem também ser informados quando se começarem a aperceber das diferenças.
(...)
Meyer e Vadasy (1996) referem que os irmãos de crianças com deficiência têm uma necessidade permanente de receber informação relativa às dificuldades dos seus irmãos. Os irmãos mais pequenos precisam de saber que não foram eles a causar a deficiência do irmão ou irmã, e que não a podem "apanhar". Os de idade escolar necessitam de informação para compreender as dificuldades dos seus irmãos e para satisfazer a sua própria curiosidade. Também precisam de saber responder às perguntas dos seus colegas da escola, que de certeza vão perguntar o que se passa com eles. Os adolescentes, que poderão pensar na sua vida futura, têm que saber quais os planos que a família tem para o filho deficiente. Os irmãos na idade adulta, que provavelmente terão um papel importante na vida do seu irmão deficiente, necessitam de informação relativa à legislação em vigor referente a alternativas de trabalho e de residência, e à existência de serviços de apoio ao deficiente.
Lobato chama a atenção para as dificuldades de compreensão de informação das crianças pequenas: antes dos 5 anos, as crianças são egocêntricas na sua visão do mundo e frequentemente o seu pensamento é mágico. Assim, podem deturpar a informação sobre a deficiência ou a doença do irmão, uma vez que o seu sentido de causa-e-efeito é grandemente influenciado pela proximidade dos acontecimentos uns em relação aos outros. Por exemplo, podem pensar que algo que fizeram ou pensaram causou a deficiência, ou podem interpretar as ausências ou a ansiedade dos pais como tendo relação com elas próprias, em vez de entender que são consequências da deficiência do irmão.
(...)
Em conclusão, parece existir de facto uma influência de alguns factores moderadores na capacidade de adaptação dos irmãos de crianças com deficiência. Entre eles, referimos o facto de ter um relacionamento fraterno caloroso e pouco conflituoso; verifica-se uma provável interacção entre o sexo e a posição na fratria, sendo as irmãs mais novas e os irmãos mais velhos os menos perturbados; uma diferença de idade superior a dois ou três anos entre o sujeito e o irmão deficiente protege igualmente contra a perturbação; o nível sócio-económico parece ter apenas uma influência indirecta nesta adaptação; um tamanho da fratria superior a dois irmãos é igualmente protector da perturbação; por último, a gravidade da deficiência parece não ter relação directa com a capacidade de adaptação psicológica da fratria das crianças deficientes. De qualquer forma, esta capacidade de adaptação tem sido sistematicamente analisada e objecto de inúmeros estudos, como se pode verificar na revisão de literatura que efectuámos.Os autores são unânimes em referir que a situação de ter um irmão com deficiência não é indiferente a estas crianças, pelo contrário, provoca-lhes um conjunto de emoções, desejos e necessidades, dos quais tentámos dar uma breve visão.Os sentimentos mais comuns nestas crianças podem ser o ciúme, o ressentimento, a rejeição, a raiva, a revolta, a agressividade, a tristeza, a culpa, a confusão, a preocupação, a solidão, um conjunto de emoções negativas que podem contribuir para a existência de perturbação psicológica.Estas crianças parecem apresentar necessidades específicas pelo facto de terem um irmão com deficiência. Precisam de ser informadas relativamente à deficiência ou doença do irmão; beneficiam com a expressão dos seus sentimentos, junto de pessoas externas à família; necessitam de aprender a aceitar as suas emoções e a desculpabilizá-las; beneficiam em saber lidar com o stress desta situação; e beneficiam em contactar com outras crianças e jovens que estejam na mesma situação, que possam servir de modelos adequados para a implementação de um conjunto de estratégias facilitadoras da adaptação."

A Adaptação Psicológica em Irmãos de Crianças e Jovens com Paralisia Cerebral
Maria Teresa Teixeira Mendes de Mendonça