segunda-feira, janeiro 29, 2007

trabalho versus família

Amanhã, digo hoje, por volta das 7:15h, lá volto eu à minha rotina diária e estou um pouco tensa porque nos dias de hoje ser professor ocupa todo o tempo e deixa muito pouco tempo para a vida, para a minha vida, com toda a complexidade que é a vida de uma mulher, principalmente se tem um filho pequeno, com sete anos de idade a precisar muito da sua mãe. A verdade é que passei a ter muito pouco tempo para dedicar aos meus filhos, e o Pedro acusa sempre que estou ocupada com questões laborais. Hoje, pediu-me para ir dormir com ele e só acalmou quando deitei-me com ele na sua cama. É claro que não trabalhar pode ser uma hipótese, nos três primeiros anos do Pedro trabalhei a meio tempo e foram tempos preciosos na habilitação do Pedro, mas no nosso caso temos mais dois filhos que também precisam não só do tempo dos pais como também de recursos económicos que um só ordenado não responde e depois o pai do Pedro também tem o direito de ter algum tempo para poder estar com ele e com a sua família. O eu não trabalhar iria sobrecarrega-lo em demasia. Enfim tenho mesmo que ir trabalhar amanhã, mas se pudesse e embora goste de ser professora, o não trabalhar no sistema de ensino actual seria uma hipótese a considerar.

sábado, janeiro 27, 2007

o tempo parou por um instante

"quando a coisa não der mais, sei muito bem o que me resta fazer" ligeira pausa " a mim e à minha filha". a frase saiu assim, não em desespero, mas com aquela emoção contida de ideia maturada, longamente pensada. o tempo parou por um instante, percebemos perfeitamente o que ela queria dizer. tinhamos acabado de a conhecer. antes tinha-nos contado como estava falida, a casa várias vezes hipotecada. a filha, adulta jovem, tetraplégica após um acidente, nem consegue enxotar uma mosca que lhe pouse no nariz, nem se consegue mexer na cama quando a posição a incomoda, algaliada, duas empregadas para cuidar dela permanentemente, 3000 euros de despesas mensais, fraldas, algalias, cremes para evitar escaras, e tudo o mais. professora universitária, olhar vivo e inteligente, uma mulher que se recusa a desistir de si própria e passar a ser apenas a mãe da filha inválida, à procura de respostas e soluções que a sociedade não dá.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Olá

Hoje o dia correu rapidamente, como rapidamente passam os dias deste ano novo, que de novo tem o número 2007. O pai do Pedro levou os dois filhos mais velhos para a Escola, eu acordei com o Pedro e depois do ritual do vestir Pedro, vestir-me, tomarmos o pequeno-almoço e não esquecer do xarope do Pedro, fomos para a consulta de fisiatria. Pedro, pai e mãe ficámos à espera do médico fisiatra que actualmente é também um amigo. Chegou o Sr. Doctor e bem, voltamos a conversar sobre quais as possibilidades técnicas viáveis no nosso pequeno Faro, versus Portugal para uma operação bem feita, ao joelho do Pedro, que mais tarde ou mais cedo irá acontecer. E aqui paro, ..., como também paro ao pensar no porquê de ser tão difícil fazer seja o que for bem feito neste país. Será que a nossa sociedade deixou de pensar no colectivo e nas coisas verdadeiramente importantes para preocuparmo-nos apenas com o nosso pequeno bem estar? A verdade é que tanto na saúde como no actual sistema de ensino é tudo tão pesado e tão pouco articulado entre as partes que constituem o todo, que efectivamente acabamos por comprometer o todo. E esse todo somos todos nós.
Continuando, a toxina foi aplicada ao joelho do Pedro e o Pedrinho tem andado o dia menos bem, ficou com o pai enquanto eu fui trabalhar para a Escola, durante o período da tarde. O que também alimenta a minha alma são os meus alunos e eles são uma fonte de prazer, são jovens, com vontade em aprender desde que lhes proporcionemos conhecimentos, dedicação e amor. Regressei a casa e o pai do Pedro teve que ir trabalhar, depois do jantar. Discutí mais uma vez com o meu filho mais velho, as razões são principalmente o meu cansaço e o egoismo natural dum rapaz de 18 anos por não entender que faz parte do grupo dos adultos e que tem que colaborar com o seu trabalho no seio familiar. Bem, depois estou aqui a dar uma enormíssima seca àqueles que tiverem a paciência de lerem este post, de todas as formas o meu muito obrigada por lerem este pequeno desabafo.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

mais toxina

o fisioterapeuta lá convenceu o fisiatra de que a operação ao joelho não deverá ser para já. e acordaram que agora que o pedro tem tala nocturna, cadeira triângular aem pernas, standing-frames em casa e na escola, era a altura de lhe aplicar mais uma dose de toxina botulínica. Não as contei todas, mas o pedro já deve ter feito à volta de 8 administrações desta toxina, duas delas com anestesia geral e estimulação eléctrica dos tendões, para melhor localizar os músculos espásticos. numa das vezes também fez no braço direito, para melhorar o movimento de supinação. já expliquei aqui noutro post que a toxina botulínica em doses baixas actua bloqueando parcialmente a ligação entre o nervo e o músculo. é produzida por uma bactéria e a ciência aproveitou uma molécula potencialmente mortal para fins terapêuticos. é engenhoso, vivam os cientistas! os efeitos da toxina fazem-se sentir com mais intensidade nas primeiras aplicações, depois em muitos casos há uma espécie de habituação. também pode induzir a formação de anticorpos, e aí deixa de ter efeito porque é neutralizada pelas defesas do organismo, mas raramente. o pedro teve sorte em nascer na era da toxina botulíinica, porque antes o tratamento da espasticidade com fármacos era muito mais complicado e com muitos efeitos colaterais.
por isso, sexta feira lá vamos nós mais uma vez à toxina. ainda bem que desta vez é sem anestesia geral, que é uma coisa que me deixa sempre apreensivo.

sábado, janeiro 20, 2007

ao sábado, sonhamos...

aos 15 anos eu seria músico numa banda de sucesso, haveria um concerto para comemorar os 10 anos de actividade que teria como convidados todos os meus ídolos musicais da altura. aos 17 eu escreveria as aventuras da tripulação da nave messa-antares, romances de ficção científica dos melhores a nível internacional. aos 19 eu seria médico, trabalharia no barco-hospital que percorre o rio amazonas prestando assistência às tribos índias. seria também poeta, daqueles "malditos" que rompem com os cânones habituais e inventaria uma nova forma de escrita. aos 22, eu seria actor de teatro, boémio, faria música de cena, performances originais. depois, tropecei em ti. eu seria o homem mais feliz e tu a mulher mais amada à face da terra. teríamos os filhos que a vida nos desse e construiríamos uma família feliz. os nossos filhos seriam "perfeitos" e nós "perfeitos" como pais. aos 30 anos, viajaríamos por todo o mundo numa auto-caravana, mostrando aos nossos filhos as diferentes realidades da humanidade e os diferentes cenários naturais. faria música para filmes e espectáculos de dança. daqui a alguns anos, quando todos os nossos filhos se autonomizarem, teremos todo o tempo um para o outro, aquele que muitas vezes não temos agora. teremos uma casa nas canárias, um apartamento em amesterdão e alternaremos temporadas nos dois lugares. ficaremos no alto de uma duna a ver o sol a fundir-se com o mar no fim da tarde, inundados por toda a calma deste mundo. os sonhos alimentam a vida, a vida alimenta os sonhos, nós alimentamo-nos de ambos. da vida e dos sonhos.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

genica e gadgets

o pedro tem passado uma semana fantástica. desde sábado que todo ele é genica e boa disposição. acaba de comer e levanta-se logo, quer andar, brincar, estar activo. em casa, na escola, nas terapias, toda a gente está um pouco espantada, não tem nada a ver com a semana passada. é como se depois da descarga brutal que foram as crises (foi a segunda vez apenas que vi uma crise generalizar-se), o sistema nervoso se tivesse regenerado. reset! nem sequer as pequenas hipotonias intermitentes que ele costuma ter estão presentes. não posso deixar de pensar que tudo seria mais fácil se ele estivesse sempre assim. a progressão seria muito mais rápida. este estado facilitou a integração do andarilho e da prancha-de-inclinação-regulável-para-adaptar-à-mesa-de-trabalho no dia a dia escolar. pois, mais dois gadgets. há um canto da sala de aula do pedro que se começa a parecer muito com um certo canto da nossa sala.

terça-feira, janeiro 16, 2007

preocupações a médio prazo

partilho estas preocupações. e desde o primeiro momento há outra preocupação de fundo. a vida afectiva. conseguirá o pedro encontrar uma companheira que o aceite e ame como ele for? alguém com quem partilhar a vida, que o apoie e o compreenda, que lhe dê forças e esteja ao lado dele nos bons e nos maus momentos? preocupação "menor", poderão pensar, perante todos os outros problemas que o pedro tem, mas o que é que querem? ela existe.

domingo, janeiro 14, 2007

com as duas mãos

o pedro voltou ao seu normal. na sexta ainda esteve um pouco fraquinho, mas ontem já foi o nosso pedro bem disposto, irrequieto, comunicativo.
nova proeza do rapaz: apanhar a bola em movimento com as duas mãos. andamos a treinar isto há meses, enquanto ele faz os períodos de extensão das pernas no standing frame. é meia hora de treino e a coisa está a dar os seus resultados. é um jogo simples, eu atiro-lhe a bola e ele tem que a apanhar no ar, usando as duas mãos. isto requer coordenação e resposta rápida. de cada vez que ele consegue, tem o direito de me alvejar à queima roupa com a bola. eu faço umas palhaçadas de quem foi atingido, ele dá umas gargalhadas e recomeçamos. estímulo poderoso este de alvejar o pai! de início não conseguia, mesmo quando tentava, o tempo de resposta era muito longo. mas progressivamente lá foi apanhando o jeito. ainda não está bem consistente, a bola ainda cai no chão muitas vezes, mas com paciência e determinação vamos progredindo.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

um certo regresso à normalidade

o pedrinho regressou à escola. tinhamos o dia planeado para nos revezarmos (eu, a mãedopedro e o avô) nos cuidados ao rapaz, pois todos nós tínhamos os nossos afazeres importantes, mas a mãedopedro decidiu, e bem, que a escola também tinha que saber lidar com a situação. levou-o a meio da manhã, explicou mais uma vez o que tem que ser feito caso surja uma crise, e a verdade é que tudo correu bem, apesar dos receios (naturais) do pessoal da unidade. dia livre de crises, portanto, um certo regresso à normalidade.
gosto do pragmatismo da mãedopedro. a verdade é que não podemos deixar a vida em suspenso só porque há a possibilidade de o pedro fazer uma crise. teoricamente essa hipótese existe todos os dias. todo o universo relacional do pedro tem que estar instruído e preparado para actuar correctamente perante a situação.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

também há dias assim, mais calmos

as coisas estão mais calmas. o rapaz passou o dia entregue aos mimos e cuidados do avô e só fez uma crise muito ligeira à tarde. fomos ao hospital fazer o doseamento, está tudo bem, os níveis estão dentro do intervalo terapêutico. falei com a neuropediatra, que teve uma atitude expectante. pode ser qualquer descompensação sem importância. a alternativa seria iniciar outro fármaco, mas isso significa mais efeitos colaterais e ninguém quer isso. espero que o puto se aguente.
entretanto ao reler os posts anteriores e os respectivos comentários, ococrreram-me várias coisas:
eu a lamentar-me por uma crise, e a mãe do rodrigo a dizer que ele começa a fazer crises mal acorda. senti-me mal, quase patético. patrícia, muita força. deve ser muito difícil assistir a várias num curto espaço de tempo. espero que consigam controlar a coisa rapidamente.
gostei da perspectiva prática da grilinha, aproveitar o ficar em casa para fazer coisas que normalmente não temos tempo. temos que dar a volta por cima...
e gostei muito da frase evocada pela idadedapedra, que, por acaso, até é minha. obrigado por mo relembrares.

update

o pedrinho fez mais uma crise, ligeira, antes do almoço. passou a maior parte do dia a dormir para se recuperar, e ao jantar estava bem disposto, mas sem a energia e apetite do costume. deitou-se à hora habitual. amanhã, que já é hoje, vai ficar em casa com o avô, porque eu preciso de ir trabalhar. o ano ainda só tem 9 dias e os dias para assistência à família de que disponho não são infinitos. com o pedro é bom não os esgotar rapidamente. espero que não haja mais crises amanhã, senão lá terei que interromper o trabalho e tomar outras medidas, como levá~lo ao hospital para fazer o doseamento do antiepiléptico, pois há sempre a possibilidade de a dose estar desajustada. ele tem crescido, e já há algum tempo que a terapêutica é sempre a mesma.

terça-feira, janeiro 09, 2007

há dias assim

manhã, novo dia, acordar, despedir do resto da família que entra mais cedo, arranjarmo-nos, acordar o pedro, arranjar o pedro, ele está bem disposto, tudo normal. pequeno almoço, banalidades em língua gestual, não esquecer tomar o xarope, pôr o iogurte na mochila do pedro, vestir casacos, sair. chego ao carro, crise epiléptica ainda na cadeira. apanhar o pedro, deitá-lo no banco de trás, de lado, em posição de segurança. a crise generaliza-se, duas ou três convulsões. apenas alguns segundos, parecem minutos. já acabou?, não acabou?, parece que sim. um sono terrível, mas há comunicação. diz-me que está bem, adormece. pegar no pedro ao colo, entrar em casa, deitá-lo. apanhar a cadeira que ficou ao pé do carro, telefonar para o trabalho a dizer que não posso ir, assistência à família. enviar sms para a professora do pedro, ele hoje não vai à unidade, teve uma crise. que merda!
de certa maneira, já estava à espera. ontem e anteontem teve alguns momentos "esquisitos", já conheço a história. mas também é frequente depois não acontecer nada e a vida continuar normalmente. nunca sabemos quando vai vir a próxima crise. meus amigos, no fundo é estar constantemente preparado para mais um golpe de rins, mais uma brusca alteração de planos, manter a vida permanentemente em aberto. eu sei que também é assim com toda a gente, de repente pode acontecer qualquer coisa que nos altere os planos para o dia, mas sei também que com o pedro isso acontece mais frequentemente.
custa-me vê-lo assim, completamente apagado, despachado, exausto. é como se ele não fosse ele, apenas o corpo dominado por actividade eléctrica sem nenhum sentido, toda a actividade cerebral normal fica afogada por aquela tempestade de estímulos desordenados e sem objectivo. e depois este sono que o põe knockout durante duas ou três horas, não é um sono normal, o cérebro tem que descansar depois da overdose de estímulos.
desculpem o desabafo a crú, precisava de descarregar.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

carlota

pois bem, esta é a carlota, a cadelinha que se juntou à família por altura do natal. gosto de ver a ternura com que o pedro a trata. sabe que é um bebé. ando a ver se ele a consegue designar gestualmente de uma maneira diferenciada da designação do nosso cão. em língua gestual, o feminino faz-se com um gesto específico antes do gesto geral que designa o animal ou pessoa. mas o pedro insiste em chamar-lhe "cão". penso que na cabeça dele o gesto de feminino está demasiado associado à irmã, o primeiro feminino que ele teve que utilizar para a diferenciar do irmão. mas um dia ele chega lá. temos todo o tempo do mundo.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

urgente

a petição pela acessibilidade electrónica portuguesa já vai com 5100 assinaturas. já foram largamente ultrapassadas as 4000 assinaturas necessárias para a petição "passar". no entanto, são precisas 6000 até dia 10 para o documento ser discutido em sessão plenária em vez de apenas em sede de comissão. por isso, se ainda não assinou, é urgente que o faça. é simples. basta ir aqui e deixar os seus dados.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

cadeiras

as cadeiras são a primeira evidência para o exterior de que algo diferente se passa com uma criança. abandonada a alcofa, quando chega a hora de mudar para a cadeira de bebé, nós, pais, somos logo instruídos de que as normais cadeiras não servem para os nossos meninos. apresentam-nos uns adaptadores mais ou menos rígidos, indispensáveis para manter posturas correctas, e é assim munidos que começamos a enfrentar os olhares e os comentários em surdina quando nos deslocamos com os nossos filhos. foi assim com o pedro, penso que será assim na maior parte dos casos. depois, eles crescem, e surgem as primeiras cadeiras próprias para crianças com paralisia cerebral. o pedro usou uma, por sinal esteticamente bonita, até literalmente se desfazer com o seu peso. ainda não era uma cadeira de rodas, daquelas que o próprio maneja com os braços, mas era uma cadeira completamente apetrechada com cintos e mais cintos e mecanismos de ajuste. ainda era uma cadeira suficientemente parecida com as outras das crianças normais para nos dar a ilusão de uma certa normalidade. como eu disse, literalmente desfez-se com o peso do pedro. usámo-la até às últimas, foi soldada 3 ou 4 vezes, na esperança de que o pedro entretanto desenvolvesse o processo de marcha autónoma e não fosse preciso uma "verdadeira" cadeira de rodas. mas não. e quando a cadeira se partiu de vez, tivemos que nos render às evidências. o pedro teria que usar uma dessas cadeiras de que nós, um pouco infantilmente, queriamos era distância. a a.p.p.c. emprestou-nos então uma, enquanto não vinha a que tinhamos encomendado para o pedro. feia, usada, vermelha. não podia dar mais nas vistas. talvez por isso, quando a do pedro chegou, até a achámos bonita. em tons de preto e cinzento, era discreta e esteticamente equilibrada. e bem fácil de utilizar e arrumar na mala do carro. é com esta cadeira que ainda hoje o pedro se desloca diariamente. de manhã para a escola, à tarde para casa, em passeios, lá vamos nós. acho que posso afirmar que já não me perturbam minimamente os olhares e os comentários em surdina. e isso faz-me pensar no longo caminho que já percorremos.