sábado, abril 28, 2007

incertezas

andamos com algumas dificuldades na estimulação intelectual do pedro. nunca compreendemos muito bem quais as reais capacidades cognitivas dele. há dias em que não se consegue nada dele, está disperso, não se concentra em nada, não quer terminar nenhuma tarefa. outras vezes, tem reacções que requerem raciocínios complexos. não sei se é da surdez e da dificuldade de comunicação inerente, se é da paralisia cerebral, se é da mimalhice. o mais provável é ser de tudo junto. umas vezes sabe realizar determinadas tarefas, outras vezes parece que regrediu e desaprendeu tudo. isto dá alguma insegurança quanto ao futuro dele. outra questão, que está relacionada, é a disciplina. está difícil impôr algumas regras ao rapaz. quando nos zangamos com ele, a maior parte das vezes ri-se e repete a acção que provocou a nossa zanga. está a testar os limites, eu sei, mas isto faz com que tenhamos que nos zangar a sério e por vezes lá tem que sair uma palmada. quando eles ouvem, a modelação do tom de voz costuma ter efeitos eficazes. também é possível aplicar o mesmo princípio na língua gestual e na expressão facial, mas para ouvintes como nós, não é fácil traduzir por gestos e pela expressão o grau da nossa zanga. ser firme é uma regra de educação e de ensinamento de regras, mas com o pedro a tarefa está a ser bem mais difícil do que com os outros. fiz uma busca na net à procura de dicas ou de qualquer sistematização sobre o assunto, mas não encontrei nada. alguém tem alguma ideia?

segunda-feira, abril 23, 2007

fratria

gostei muito da discussão que se estabeleceu na sequência do post sobre impacto familiar, não foi por sadismo, foi porque acho que nos faz bem reflectirmos sobre estes aspectos da vivência com uma criança portadora de deficiência. volto hoje novamente ao trabalho que deu origem ao post, desta vez com excertos completamente centrados nos irmãos. para reflectir, contestar e aprender. mantive a terminologia que a autora empregou.

"Na literatura, está descrito em inúmeros estudos o efeito negativo da existência de um filho deficiente na saúde mental e na adaptação psicológica dos irmãos. As investigações nesta área têm sido complexificadas pelas grandes alterações no estilo de vida da criança deficiente, resultantes, mordialmente da desinstitucionalização ao longo das últimas décadas. Deste modo, as crianças deficientes mais provavelmente crescem no contexto familiar, pelo menos até à sua adolescência.
(...)
Nos anos 70 e 80, notou-se um acréscimo do interesse no impacto da criança deficiente nos seus irmãos, bem como na intervenção psicológica com estes irmãos. Lobato (1985) estabeleceu um Programa de Intervenção para crianças em idade pré-escolar, entre os 3 anos e 9 meses e os 7 anos, referindo que os irmãos de crianças deficientes desta faixa etária podiam ser particularmente vulneráveis a sentimentos de confusão e isolamento. O seu principal objectivo era fornecer aos irmãos desta idade informação factual, de forma a compreender as várias deficiências desenvolvimentais, enquanto fortaleciam a sua capacidade de reconhecer as competências e características positivas de si mesmos, dos seus irmãos deficientes e de outros membros da família. (...) Como resultado, verificaram que todas as crianças passaram a ser mais precisas na definição de deficiências específicas e nas referências às deficiências em geral. Além disso, foram notadas mudanças positivas no conteúdo das afirmações relativas a si próprios e aos elementos da família, incluindo ao irmão deficiente. Em várias alturas do Programa, os pais das crianças descreveram situações nas quais os filhos começaram a falar abertamente sobre a deficiência dos irmãos de outras crianças do grupo. Os pais referiram que esta iniciativa possibilitou grandes discussões entre eles e os filhos sobre os seus próprios casos familiares, e todos sentiram alívio e satisfação em ser capazes de ter tais conversas com os seus filhos.
Seligrnan (1983) identificou os seguintes factores que pareciam ter o potencial de contribuir para a sua inadaptação: ansiedade em relação à deficiência, falta de comunicação na família sobre a condição da criança e atitudes e respostas parentais negativas para com esta. O autor refere que estas crianças podem ser pressionadas a assumir papéis parentais antes de serem capazes de o fazer e que a responsabilidade excessiva pela criança deficiente pode levar a ressentimentos, culpa e perturbação psicológica posterior. Este stress é mais elevado nas famílias com baixo estatuto sócio-económico, que têm que confiar nos recursos internos à família; em famílias menores, onde os irmãos têm que assumir uma partilha maior das responsabilidades e nas irmãs, a quem é dada maior responsabilidade de tratar da criança deficiente. Podem também ser sobrecarregados com aspirações parentais excessivas para compensar o desapontamento e a frustração de ter um filho deficiente.
(...)
Embora a maior parte dos estudos clínicos enfatize o impacto negativo da doença ou deficiência nos irmãos, também têm sido referidos alguns efeitos positivos, não se podendo, na opinião de alguns autores, assumir incondicionalmente a presença de problemas de adaptação entre os irmãos de crianças deficientes.
Lavigne e Ryan (1979) referem um estudo de Hunt (1973), no qual verificou que alguns irmãos respondiam favoravelmente às responsabilidades acrescidas que lhes eram dadas, e que eram mais compreensivos com as crianças com problemas específicos.
(...)
Siemon (1984) refere haver uma tendência na investigação clínica para enfatizar as dificuldades e os efeitos prejudiciais da vivência com uma criança com necessidades especiais. Segundo esta autora, ela pode também ocasionar força, sensibilidade e capacidade para ver os acontecimentos do ponto de vista do outro, e afirma que há muitos estudos que referem uma maior maturidade e responsabilidade, um aumento do altruísmo e da tolerância, e uma forte orientação para interesses humanitários.
(...)
Kazak e Clark (1986) avaliaram o auto-conceito de irmãos de crianças com Spina Bífida, de 8 e 9 anos, e verificaram não haver diferenças significativas entre estes e os sujeitos do grupo controlo. As autoras afirmam que estes resultados confirmam um estudo prévio de Breslau, Weitzman e Messenger (1981), com 239 famílias de crianças portadoras de Paralisia Cerebral, Fibrose Quística, Mielodisplasia e Multideficiência, no qual os autores verificaram não haver diferenças significativas entre as pontuações globais dos irmãos, entre os 6 e os 18 anos, e as de um grupo controlo.
(...)
Fisman e Wolf (1991) referem que, apesar dos técnicos que trabalham com crianças cronicamente doentes ou deficientes e com as suas famílias desde sempre suspeitarem que os seus irmãos estão em risco de desenvolver problemas emocionais, a literatura sobre os efeitos de uma criança deficiente na fratria é inconclusiva e inconsistente.
(...)
(Num) estudo realizado no nosso país, numa perspectiva sociológica, com irmãos adolescentes de crianças deficientes, das cidades de Faro, Lisboa e Porto, Pinto avaliou a sua capacidade de interiorizar e desenvolver empatia, responsabilidade social, compaixão e outros antecedentes motivacionais de ajuda altruísta, através de um questionário elaborado pela autora. A sua hipótese era de que estes irmãos, quando comparados com um grupo de irmãos de crianças sem deficiência, apresentariam maior intensidade de atitudes sociais positivas, devido à sua experiência e aprendizagem prévias de prestação de cuidados ao irmão deficiente e de responsabilidade pelas tarefas domésticas. Verificou que o facto de crescer numa família em que existe uma criança com necessidades especiais pode constituir uma oportunidade para aprender e desenvolver atitudes sociais positivas nos irmãos, tais como empenhamento em problemas e questões sociais.
Toma-se evidente, com esta breve perspectiva dos principais estudos e pesquisas que se debruçaram sobre a adaptação psicológica dos irmãos à doença crónica ou à deficiência, que as conclusões são muito diversificados. Os resultados dos estudos sobre este tema têm sido, assim, inconsistentes, verificando-se desde um efeito desprezível até uma incidência significativa de problemas, ou pelo contrário, efeitos positivos no desenvolvimento.
(...)
Diversos autores se debruçaram sobre um aspecto específico da reacção destas crianças a um irmão deficiente, que consiste nos sentimentos que geralmente experimentam. Podem senti-los em determinado momento da sua vida, ou podem estas emoções coexistir no tempo, substituindo-se umas às outras consoante os períodos e as circunstâncias externas. Internamente a cada estrutura familiar, cada criança necessita de ser especial, e procura a segurança de um lugar único junto dos seus pais. Exteriormente à família, as crianças querem ser como os seus pares, e as diferenças entre a sua situação e a dos seus pares assumem proporções consideráveis. Ter um irmão com necessidades especiais toma estes desejos mais difíceis de obter. Podem sentir-se estigmatizados de tal forma que a sua própria normalidade fica comprometida. No seio da família, estas necessidades especiais conferem as vantagens de atenção e de privilégios extra. Os irmãos debatem-se com o medo de se sentirem com vergonha e embaraçados, ciumentos e ressentidos, apesar de também amarem o seu irmão ou irmã deficiente.
(...)
Os pais geralmente têm de dispender muito mais tempo com a criança deficiente do que com os irmãos saudáveis, no que refere às consultas médicas, tratamentos, e actividades de vida diária. É natural os irmãos se ressentirem por não terem a mesma atenção e sentirem ciúme, e é particularmente verdade no caso dos irmãos pequenos que não têm capacidade para perceber as necessidades do irmão deficiente ou doente. Nos mais velhos, pode haver ressentimento por acharem que os seus sucessos são ignorados ou dados como garantidos, enquanto que qualquer pequeno sucesso do irmão deficiente é alvo de grande alegria e elogios. Desta forma, estas crianças podem não desenvolver uma auto-estima positiva a partir do seu desempenho.
O ressentimento também é referido por Skrtic, Summers, Brotherson e Turnbull (1984), que afirmam que, à medida que os irmãos crescem, a responsabilidade de apoio financeiro do elemento deficiente da família pode ser transferido para os irmãos saudáveis. A família pode ter um acordo tácito ou explícito de que a responsabilidade pelos cuidados do irmão passe para a geração dos mais novos. Nalguns casos, os irmãos podem-se ressentir ou resistir relativamente à responsabilidade de tratar de um irmão adulto deficiente.
(...)
Nos irmãos de crianças com deficiência, Frank (1996) também refere a ocorrência de tristeza por não terem com quem brincar ou partilhar os seus pensamentos, de ressentimento pela atenção que a criança deficiente recebe ou pelo modo como ela interfere com as suas actividades, de embaraço pelo modo como o seu irmão ou irmã parece, olha, ou se comporta, de medo quando está doente ou vai ao hospital e de raiva por o seu irmão não poder fazer o que ele próprio faz, ter sempre os seus pais do seu lado, ou impedir que o irmão saudável realize algumas actividades.
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No seu manual dirigido a irmãos de crianças deficientes, Meyer e Vadasy (1996) apontam as emoções de raiva, culpa, cisme, embaraço, preocupação e solidão como as mais frequentes nos irmãos de crianças e jovens com deficiência, a par de envolvimento excessivo, altruísmo, compreensão, orgulho no irmão e maturidade.
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Em grupos de apoio aos irmãos de crianças deficientes, implementados por Pearson e Sternberg (1986), estes autores verificaram que os temas mais referidos eram a raiva, pela atenção excessiva que o irmão recebia dos pais; o ressentimento pelo modo como os estranhos olhavam para o seu irmão; o desagrado pelas responsabilidades de cuidar, tratar e brincar com o irmão deficiente, quando preferiam estar a fazer outra coisa, e também a raiva de pertencer a uma família considerada diferente. O proteccionismo e um sentimento de responsabilidade pela criança deficiente, sobretudo nos irmãos mais velhos, também eram frequentes nestes grupos de apoio.
(...)
Muitos pais referem preocupação sobre quando e como informar as outras crianças da família. Esta questão está muito dependente do seu nível de compreensão, mas muitos dos pais apontam a idade dos 9 ou 10 anos como a idade em que há capacidade de compreensão do problema de uma forma madura. No entanto, se for de um modo simplificado, é possível fazer com que crianças mais novas entendam que a criança com atraso é alguém diferente e necessita de atenção especial. Embora não haja uma receita geral para lhes contar, o conceito de lentidão deve ser comunicado logo que o sejam capazes de entender. A falta de comunicação numa família relativamente à condição deficiente de uma criança pode contribuir para a solidão que os irmãos sem problemas vão sentir. Podem sentir que certos tópicos são proibidos, criando um afastamento com quem se deviam sentir muito próximos . Este autor refere ainda que as decisões relativas à deficiência são frequentemente tomadas sem discussão ou explicação prévias aos irmãos que podem ser afectados por certos actos.
França (1994) chama a atenção sobre a necessidade de a informação sobre a deficiência ser também prestada à fratria; esta é dada exclusivamente aos pais, ficando os outros membros da família excluídos de dados importantes relativos a um dos seus membros. Esta autora refere que a informação deve ser dada o mais cedo possível aos irmãos mais velhos, e logo que o diagnóstico da deficiência é feito, quer sobre a sua natureza, quer sobre as suas causas. Os irmãos mais novos devem também ser informados quando se começarem a aperceber das diferenças.
(...)
Meyer e Vadasy (1996) referem que os irmãos de crianças com deficiência têm uma necessidade permanente de receber informação relativa às dificuldades dos seus irmãos. Os irmãos mais pequenos precisam de saber que não foram eles a causar a deficiência do irmão ou irmã, e que não a podem "apanhar". Os de idade escolar necessitam de informação para compreender as dificuldades dos seus irmãos e para satisfazer a sua própria curiosidade. Também precisam de saber responder às perguntas dos seus colegas da escola, que de certeza vão perguntar o que se passa com eles. Os adolescentes, que poderão pensar na sua vida futura, têm que saber quais os planos que a família tem para o filho deficiente. Os irmãos na idade adulta, que provavelmente terão um papel importante na vida do seu irmão deficiente, necessitam de informação relativa à legislação em vigor referente a alternativas de trabalho e de residência, e à existência de serviços de apoio ao deficiente.
Lobato chama a atenção para as dificuldades de compreensão de informação das crianças pequenas: antes dos 5 anos, as crianças são egocêntricas na sua visão do mundo e frequentemente o seu pensamento é mágico. Assim, podem deturpar a informação sobre a deficiência ou a doença do irmão, uma vez que o seu sentido de causa-e-efeito é grandemente influenciado pela proximidade dos acontecimentos uns em relação aos outros. Por exemplo, podem pensar que algo que fizeram ou pensaram causou a deficiência, ou podem interpretar as ausências ou a ansiedade dos pais como tendo relação com elas próprias, em vez de entender que são consequências da deficiência do irmão.
(...)
Em conclusão, parece existir de facto uma influência de alguns factores moderadores na capacidade de adaptação dos irmãos de crianças com deficiência. Entre eles, referimos o facto de ter um relacionamento fraterno caloroso e pouco conflituoso; verifica-se uma provável interacção entre o sexo e a posição na fratria, sendo as irmãs mais novas e os irmãos mais velhos os menos perturbados; uma diferença de idade superior a dois ou três anos entre o sujeito e o irmão deficiente protege igualmente contra a perturbação; o nível sócio-económico parece ter apenas uma influência indirecta nesta adaptação; um tamanho da fratria superior a dois irmãos é igualmente protector da perturbação; por último, a gravidade da deficiência parece não ter relação directa com a capacidade de adaptação psicológica da fratria das crianças deficientes. De qualquer forma, esta capacidade de adaptação tem sido sistematicamente analisada e objecto de inúmeros estudos, como se pode verificar na revisão de literatura que efectuámos.Os autores são unânimes em referir que a situação de ter um irmão com deficiência não é indiferente a estas crianças, pelo contrário, provoca-lhes um conjunto de emoções, desejos e necessidades, dos quais tentámos dar uma breve visão.Os sentimentos mais comuns nestas crianças podem ser o ciúme, o ressentimento, a rejeição, a raiva, a revolta, a agressividade, a tristeza, a culpa, a confusão, a preocupação, a solidão, um conjunto de emoções negativas que podem contribuir para a existência de perturbação psicológica.Estas crianças parecem apresentar necessidades específicas pelo facto de terem um irmão com deficiência. Precisam de ser informadas relativamente à deficiência ou doença do irmão; beneficiam com a expressão dos seus sentimentos, junto de pessoas externas à família; necessitam de aprender a aceitar as suas emoções e a desculpabilizá-las; beneficiam em saber lidar com o stress desta situação; e beneficiam em contactar com outras crianças e jovens que estejam na mesma situação, que possam servir de modelos adequados para a implementação de um conjunto de estratégias facilitadoras da adaptação."

A Adaptação Psicológica em Irmãos de Crianças e Jovens com Paralisia Cerebral
Maria Teresa Teixeira Mendes de Mendonça

quinta-feira, abril 19, 2007

deve ser da primavera

deve ser da primavera. o pedro continua a sua exploração do mundo, com a sua recem-alcançada autonomia na deslocação. quer ver tudo, explorar tudo. não para quieto, mesmo quando lhe tiramos as botas, quer andar. já se aguenta bem de pé sem as ditas cujas e começa a ensaiar os primeiros passos sem elas. continua a explorar as escadas, sempre com ajuda, continuamos a ter um medo terrível que lhe aconteça alguma queda. a cadeira de rodas, está imobilizada há já uma semana, à espera que seja necessária para algum passeio mais longo. ontem na natação, era energia por todos os lados. pela primeira vez atravessou o tanque de aprendizagem sozinho, de costas, agarrado ao tubo flutuador, muito concentrado em bater as suas pernas. estamos numa fase francamente positiva. mas nós, pais destas crianças, nunca estamos satisfeitos, queremos sempre mais. temos agora que investir mais no seu desenvolvimento intelectual. as informações do segundo período foram razoáveis, mas o pedro ainda está muito aquém dos seus coleguinhas que são apenas surdos. novas batalhas nos esperam.

segunda-feira, abril 16, 2007

impacto familiar

"A presença de uma criança deficiente na família cria um stress adicional de vida, que cada elemento da família deve aprender a gerir. Para a maior parte das famílias, ter uma criança com deficiência cria desafios e exigências adicionais, aos quais cada membro da família se deve adaptar. Teoricamente, o stress e a preocupação experimentados pela família têm probabilidade de ter repercussões em todo o sistema familiar, causando alterações na forma de os seus membros se relacionarem, tendo impacto no comportamento da criança e pondo os elementos da família em risco de apresentar problemas emocionais.
(...)
O impacto na família pode afectar o estado psicológico dos pais, as suas actividades e desempenho profissionais, a situação económica da família, a estrutura e funcionamento familiares, o seu envolvimento na comunidade e o estado psicológico e o desempenho escolar dos irmãos.
A doença pode afectar como as famílias educam os seus filhos saudáveis e como ocupam os seus tempos livres, bem como o relacionamento entre os seus membros. Torna-se difícil encontrar quem tome conta da criança doente, mesmo por curtos períodos. Criando circunstâncias sociais que diferem das normas convencionais, a doença crónica da criança atenua os relacionamentos da família com a comunidade alargada. A comunicação extra-familiar muda tanto qualitativa como quantitativamente. Ferrari (1988) afirma que a presença de uma criança deficiente é, sem dúvida, para uma família, a prova mais dramática e a mais desestabilizadora que ela pode vivenciar tanto de um ponto de vista afectivo, como de um ponto de vista dinâmico, provocando reestruturações profundas em toda a organização familiar.
(...)
Um dos temas mais analisados tem sido a adaptação psicológica dos pais à existência e educação do filho com deficiência. Para todos os elementos da família, o processo de adaptação a uma criança com necessidades especiais é complexo e muda com o tempo. Um período intenso ocorre quando os pais descobrem a deficiência da criança. Durante este período, eles devem adaptar as suas expectativas e sonhos a fim de acomodar o conhecimento de que a sua criança tem alguns desafios únicos com que têm de lidar.
(...)
A natureza interna da família também é alterada em certa medida pela ansiedade e preocupação dos pais e pela sua frequente ausência tísica, relacionada com as necessidades específicas da criança com problemas. Ocorre frequentemente uma falta de confiança generalizada nas aptidões parentais e nos padrões de disciplina, uma vez que não há normas estabelecidos para guiar os pais na educação do filho deficiente. O conflito conjugal foi também amplamente referido em estudos de famílias de crianças deficientes.
Previsivelmente, para uma mãe ou um pai, o nascimento de um filho deficiente provoca um turbilhão de emoções. Os dois são inundados por sentimentos de desânimo, descrença, raiva, confusão e culpa. Durante a gravidez, as mães frequentemente se preocupam sobre a possibilidade de ter um filho deficiente, mas de forma alguma estes pensamentos passageiros as preparam para o real nascimento de uma criança com problemas. (...) Leva tempo à maior parte das famílias a fazer uma adaptação realista e adequada. O período de 6 meses, comumente aceite para o reajustamento da vida pessoal após traumas severos, não se parece aplicar a esta situação. Talvez todos os traumas necessitem de um tempo superior para a adaptação, mas, no caso de uma criança deficiente, o trauma é sentido como constante, já que a presença física da criança é uma lembrança constante do luto e da perda.
Tem havido frequentes relatos sobre o impacto (...) no relacionamento conjugal, chegando à conclusão de que a duração e a qualidade do relacionamento, prévios ao nascimento da criança deficiente, são cruciais na previsão da adaptação posterior. Kazak e Clark (1986) referem que o stress parece estar mais focado nas aptidões parentais do que na satisfação conjugal, com diferenças significativas entre estas famílias e as de controlo.
(...)
Na sua globalidade, ser pai ou mãe de uma criança deficiente é com frequência emocionalmente esgotante. A deficiência de uma criança ameaça os objectivos e a segurança familiar e abala as esperanças e as expectativas parentais. Os pais estão frequentemente exaustos, os casamentos constrangidos e as famílias sentem-se isoladas da vida comunitária. Uma adaptação parental positiva exige a obtenção de um diagnóstico adequado e de cuidados médicos securizantes, a certeza de uma educação apropriada, a utilização de recursos comunitários e o planeamento do futuro da criança. É necessária também a informação sobre como tratar da criança, sobre os serviços comunitários e sobre as deficiências.Fisman e Wolf (1991) referem que, além das exigências normais de se ser pai, há neste caso uma sobrecarga adicional relacionada com a prolongada dependência da criança e com as exigências de cuidados especiais."

in "A Adaptação Psicológica em Irmãos de Crianças e Jovens com Paralisia Cerebral"
Maria Teresa Teixeira Mendes de Mendonça

perdoem o "testamento", mas hoje é este o tema. o estudo é interessantíssimo e diz respeito principalmente ao impacto nos irmãos, a ele voltarei certamente. não resisti a transcrever estes excertos.

sexta-feira, abril 13, 2007

registo obrigatório

hoje comecámos o desmame da cadeira de rodas. não foi planeado, simplesmente a cadeira ficou esquecida na mala do meu carro e era dia da mãedopedro levá-lo para a escola. quando me lembrei, já era tarde, já o pedro estava na escola, sem cadeira, pelo seu próprio pé. à tarde, quando o fui buscar, tive o prazer de o trazer pela mão, com a sua mochilinha às costas, muito direitinho, sempre a pé até ao carro, que por acaso até tinha ficado um bocadinho longe. portou-se optimamente, tica-tica, com o seu passinho. é verdade que os desníveis ainda o atrapalham um pouco, pequenas subidas ou descidas, mas vamos treinar todos os dias a partir de agora. ah! o prazer que me dá escrever isto!

quarta-feira, abril 11, 2007

ao sabor do pensamento


esta fotografia tem já cinco anos. gosto particularmente dela, porque temos um ar de vencedores, como se tivessemos acabado de conquistar um castelo. gosto de olhar para a nossa família e pensar nela como uma família de vitórias, apesar de todos os problemas e de todas as tarefas, desafios e por vezes conflitos que enfrentamos no dia-a-dia.

foi com esta foto que encerrei uma comunicação que fiz, também há cinco anos, numa reunião organizada pela a.p.p.c. faro. relativamente habituado a falar em público e a ministrar formação, esta foi a palestra mais difícil que alguma vez fiz. fui falar como pai de uma criança com paralisia cerebral. expôr as nossas inseguranças e os nossos receios, medos, sentimentos mais conturbados e difíceis de assumir, falar das insuficiências do sistema, da falta de apoio e da falta de preparação de alguns profissionais, salientar os pontos bons e os pontos maus desta vivência, perante uma plateia de centenas de pais e profissionais, não foi nada fácil. pelos vistos fui eficaz, a julgar pelo grande aplauso que recebi no fim, mas não me consigo esquecer dos sentimentos contraditórios que por mim passavam enquanto ouvia as palmas. satisfeito por ter cumprido os objectivos a que me tinha proposto quando aceitei o desafio, mas lembro-me de me apetecer sumir ou acordar e verificar que tudo aquilo não passava de um sonho.

passaram cinco anos, já não me apetece sumir ou acordar de um desejado sonho. este blog tornou-se um veículo de comunicação bem mais suave e intimista do que aquela palestra, que duvido muito se volte a repetir. quando o criei, foi também com a intenção de postar informação científica que ajudasse outros pais com um percurso paralelo, mais no início da caminhada. não tenho cumprido esse objectivo. em vez disso tornou-se quase num diário. há tanta coisa para falar ainda, controlo de esfíncteres, desenvolvimento cognitivo, aprofundar a questão da surdez, recordar episódios marcantes dos primeiros tempos, um sem número de questões que, na minha mania de perfeição, acho que deviam caber num blog como este. no entanto, a maior parte das vezes, quando tenho vontade de postar, prendo-me com pequenos episódios, com os progressos e os acidentes de percurso do pedro. divago.

vem tudo isto a propósito do rumo deste blog. por vezes pergunto-me o que vêm as pessoas que nos visitam, mais de 20 por dia, buscar aqui. curiosidade tipo telenovela? interesse pela temática? afinidades com as suas próprias situações? aqui há tempos li num blog semelhante, já não me lembro qual, comentários de visitantes que diziam que estes blogs não deviam existir, que são apenas maneiras das pessoas ultrapassarem as suas frustrações por terem filhos deficientes e que não deveriam expôr essas situações em público. fiquei chocado, obviamente. pensei se já teria havido algum visitante incauto que tivesse sentido o mesmo ao ler os posts deste blog e não tivesse tido coragem para o dizer.

parece-me que isto hoje saiu um pouco sem nexo, se calhar o melhor é parar por aqui...

segunda-feira, abril 09, 2007

Domingo de Páscoa

Hoje fomos à Missa Pascal e o Pedro, embora não perceba o significado de uma Missa, gostou de ver os Padres vestidos com as túnicas festivas que marcam a ressurreição de Cristo, assim como os beijos e abraços que são dados numa dada altura. Os meus pais estiveram presentes, assim como o meu sogro, o pai do Pedro e a irmã do Pedro, pelo que para ele é sempre um período de felicidade. No meu íntimo hoje na Missa voltei-me a perguntar como eu poderia explicar ao meu filho Pedro o significado de Deus. Depois fomos para a minha casa e almoçamos todos em família, comemos o tradicional cabrito e os avós trouxeram o folar e os ovos de chocolate com surpresas lá dentro. Enfim, foi um dia de Festa, de reencontro e o Pedro andou feliz o dia todo. Amanhã voltamos todos à rotina do dia a dia, embora os miúdos só comecem as aulas na terça-feira. Foi uma boa semana, que culminou num dia de paz, reencontro e amor. Penso que na prática Deus é também paz, reencontro e amor e isso o Pedro viveu com os seus pais, avós e irmãos.

sexta-feira, abril 06, 2007

socorro, ele anda

têm sido uns dias calmos. toda a família de férias ao longo desta semana, resolver uns quantos assuntos que normalmente não há tempo no buliço do dia-a-dia, e alguns passeios aqui mesmo pelo algarve, que está verde, florido e solarengo. entretanto a nova autonomia do pedro tem-nos posto alguns problemas novos. o facto de ele se poder levantar e ir para onde a vontade lhe ditar, veio revelar novos "perigos" na nossa casa. os três degraus que dão acesso da cozinha ao quintal, que ele ainda não aprendeu a descer em segurança e autonomamente, a porta da rua, que felizmente ele ainda tem dificuldade em abrir, e a escada que leva aos quartos no piso de cima. esta escada está protegida por dois portões que mandámos instalar logo que viemos para esta casa, mas agora são precisos cuidados redobrados para mantê-los fechados, o que nem sempre é fácil, com dois adolescentes em casa. o novo desafio para o pedro começa agora a ser a escada, precisamente. quer descê-la sem ajuda. larga a nossa mão e agarra-se com as duas ao corrimão e lá vai tentando. mais uma vez o dilema entre estimular e proteger. é lógico que ele tem que conseguir dominar a escada e os degraus sem ajuda, mas ao mesmo tempo tremo só de imaginar uma queda por aí abaixo.
temos agora que lidar com um pedro que se levanta da mesa e quer ir à sua vida mal acaba de comer. discipliná-lo para que aguarde que o resto da família acabe também a refeição. que quer ir brincar com os cães para o quintal, etc, etc. claro que quando ele vira costas não adianta chamá-lo, por causa da surdez. alguém tem que se levantar ou interromper o que está a fazer e ir atrás do rapaz.

segunda-feira, abril 02, 2007

no longer a seater

este é um post que me dá particular gozo escrever. já é oficial, o pedro foi hoje declarado como um "walker". fomos à consulta de fisiatria e o médico ficou com um grande sorriso a olhar para o pedro a andar. e o pedro ficou com um grande sorriso a demonstrar as suas habilidades. nós sorriamos também, por vezes mais para dentro do que para fora. ficámos a saber que, em termos genéricos, os indivíduos com paralisia cerebral são classificados como "seaters" ou como "walkers", utilizando a terminologia inglesa, conforme consigam desenvolver ou não a capacidade de marcha autónoma. o nosso puto passou "oficialmente" à categoria de "walker" e isso faz toda a diferença. bom de ouvir foi o fisiatra a dizer que não era boa ideia a cirurgia nesta fase, que o pedro consegue "ir lá" por ele próprio. e confessar-nos que há 6 meses atrás não pensava que o rapaz estivesse assim agora. portanto, nos próximos tempos o pedro fará toxina botulínica regularmente, terá o reforço de um aparelho longo com trancador de joelho, para lhe aumentar o grau de extensão, e que alternará com este que ele tem agora (e poderá servir também como tala nocturna), muito "standing" e muito andar também. são estes os planos para o resto deste e para o próximo ano lectivo. esta é uma vitória do pedro e de todos os que por ele torcem e contribuem para o seu desenvolvimento. e é também uma vitória do fisioterapeuta que recentemente deixou a equipa do pedro e que de certeza também vai sorrir quando ler este post. façamos um brinde, à do pedro e à nossa. "tchim"