domingo, julho 29, 2007

post nº 100

com este post, são 100 os bocados da vida com pedro que foram expostos ao mundo. começámos porque, por vezes, certos aspectos da vida com uma criança portadora de deficiência são muito solitários, mistificados e escondidos. solitários porque nos tornamos numa família diferente das outras, embora basicamente sejamos muito semelhantes e na maioria das componentes que fazem uma vida familiar sejamos iguais. mas apesar de tudo diferente. ter a responsabilidade de dar a volta por cima, arregaçar as mangas e aplicar grande parte das nossas energias à tarefa de habilitar uma criança que no seu percurso de crescimento sofreu um forte revés, modifica interiormente e é uma ocupação que requer a disponibilidade que esta vida agitada deste início de século muitas vezes não dá. reinventar o tempo, reinventarmo-nos a nós próprios, puxar energias lá do fundo são estratégias que frequentemente têm que ser utilizadas. e não nos queixarmos, não termos pena de nós próprios, são processos que levam o seu tempo. nunca mais somos os mesmos, mas isso não é necessariamente mau. mistificados e escondidos porque muitas vezes a deficiência não é vivida com normalidade, num mundo onde somos constantemente bombardeados com imagens preconcebidas de perfeição física e bem estar eterno. a casa perfeita, o emprego perfeito, o corpo perfeito, a família perfeita. tudo arquétipos largamente difundidos pelos media e completamente desfasados da realidade. as pessoas com deficiência e as suas famílias são parte integrante da sociedade, têm direito à sua dignidade. se este mundo fosse justo, aproveitaria todo o seu potencial. é triste verificar que muitas vezes são encarados como assunto exclusivo das famílias e não como uma responsabilidade social. o nosso habitat urbano não está ainda preparado para que todos circulem livremente e tenham acesso a todos os recantos públicos. muitos serviços continuam sem acessibilidade para quem tem capacidades diferentes e percepciona o mundo de outras maneiras. quando o indivíduo com deficiência puder usufruir, em toda a plenitude, da vida colectiva, teremos dado um salto evolutivo civilizacionalmente. até lá, muito há a fazer, muito tabú e preconceito há a quebrar.

estes textos deste blog são fragmentos de um contínuo. por vezes são mais desesperados, por vezes mais inspirados, umas vezes doces, outras mais amargos, hoje mais sonhadores, amanhã mais derrotistas. no fundo, toda a palete de tonalidades que compõem a vida que, felizmente, é tão rica. são um desabafo, mas também um veículo de comunicação com quem passa por experiências semelhantes. quer do ponto de vista dos pais, quer do próprio, quer dos profissionais, quer dos cidadãos que olham à sua volta e realmente vêem o outro, aqueles para quem a palavra comunidade é importante. e não tenhamos dúvidas de que os nossos filhos pertencem à comunidade e têm o direito de usufruir de tudo o que ela tem para oferecer às suas crianças.

sábado, julho 21, 2007

update

já tinha saudades de escrever neste blog. a vida com o pedro vai fluindo, o nosso dia-a-dia vai-se desenrolando, e a verdade é que nem sempre há grandes novidades para contar nem grandes reflexões a fazer. a vida com uma criança portadora de deficiência é como a vida com as outras crianças, feita de rotinas, de momentos. o pedro está bem. continua a frequentar o a.t.l. onde não sabem muito bem comunicar com ele e onde é a única criança com deficiência, enquanto não entramos de férias. temos tido algumas queixas de manifestações de agressividade da parte dele em relação a algumas crianças, mas nada de especial. as crianças na idade do pedro conseguem ser bastante crueis e penso que a agressividade é a sua resposta. preocupante seria se ele não reagisse. noto alguma indiferença dos meninos da idade dele. quando ele chega, normalmente tem manifestações de carinho por parte dos mais pequenos, miúdos com 3, 4 anos, mas é notorio que o seu gupo etário o ignora um pouco. por duas ou três vezes o vi querer despedir-se de miúdos da idade dele fazendo-lhes adeus, sem obter resposta. ninguém gosta de ser ignorado e o pedro não é excepção. um balão de ensaio para a vida futura em que ele vai ter que lidar com as agruras e as frustrações de ser diferente.

fomos à revisão com o fisiatra e com a neuropediatra. o fisiatra continua a achar que ele mais tarde ou mais cedo terá que ser novamente operado à perna direita. a retracção dos músculos posteriores está aparentemente estabilizada e o processo de marcha vai progredindo. as botas com que ele aprendeu a andar deram o berro, vieram outras que ficaram mal feitas e ao fim de 3 semanas estavam impraticáveis, porque não lhe estimulavam a extensão completa das pernas ao andar. durante uns dias andou com os joelhos bastante flectidos e foram necessárias novas botas, que chegaram há uma semana. estas estão bem, mas como ele se tinha habituado a uma posição mais baixa, nos primeiros dias andou um bocado confuso porque teve que reposicionar os centros de gravidade e a sua postura, mas com a sua persistência e vontade de autonomia depressa recuperou o controlo. isto faz-me pensar num dos aspectos que eu gosto menos desta vida com ele, que é a dependência real em relação à qualidade do trabalho feito por outras pessoas. se umas botas não estão bem, não podemos pura e simplesmente ir comprar outras. temos que esperar que elas sejam feitas e confiar que desta vez fiquem bem. não podemos pura e simplesmente virar costas e partir para outra quando as coisas não correm bem.

a neuropediatra gostou muito de o ver, já não o via há mais de 6 meses e os progressos dele são notórias em todas as áreas. foi uma consulta demorada em que registou os progressos do rapaz e falou-se de tudo um pouco. é uma pessoa bastante humana e positiva que nos dá forças para continuarmos com a nossa labuta. falámos na questão das avaliações escolares e do plano educativo individual. concordou com a nossa postura em recusar os adjectivos relativos aos atrasos no desenvolvimento dele, não servem para nada, só colocam areia na engrenagem.

entretanto, as relações ficaram um pouco tensas com a psicóloga da unidade no fim do ano lectivo, desde a tal reunião em que pusemos em causa as suas avaliações. mal nos fala. por mim, gostava que as pessoas que lidam com estas crianças compreendessem duma vez por todas que o que está em causa não somos nós, adultos, e os nossos pequenos egos, mas sim eles, as crianças, e que nós temos é que estar ao seu serviço e a lutar em conjunto, com o objectivo de optimizarmos o seu potencial. mas talvez isso seja utopia.

bem, meus amigos, este post já vai bem longo, vou tentar escrever com maior assiduidade e coisas mais pequenas e menos dispersas. até breve.

terça-feira, julho 10, 2007

colecção de textos

encontrei uma colecção de textos interessantes sobre epilepsia. para desmistificar.

domingo, julho 01, 2007

os meninos fazem chichi de pé

andamos a treinar. fazer chichi sentado não dá jeito nenhum para um homem, não é natural. é difícil controlar o jacto para não sair em repuxo para fora do perímetro da sanita, é uma chatice. quem viu "as confissões de schmidt", um excelente filme com jack nicholson, sabe bem o que as frustrações acumuladas podem fazer a um homem que é obrigado a fazer chichi sentado. para o pedro não é fácil a coordenação necessária para fazer chichi de pé. é uma sequência de acções que ele ainda não domina, mas que andamos a treinar. primeiro, equilibrar-se à beira da sanita, de maneira a que o jacto vá para o sítio desejado. depois, apoiar-se no autoclismo com a mão direita, baixar os calções e as cuecas com a mão esquerda e esvaziar a bexiga. finalmente, roupa para cima e descarregar o autoclismo. mais cedo ou mais tarde teremos que instalar uma barra de apoio, para lhe facilitar a vida, mas como ele não vai encontrar disso em todas as casas de banho, não lhe faz mal nenhum treinar sem esse facilitador. qualquer das fases ainda exige muito dele e tenho que ajudá-lo, principalmente a parte que tem a ver com roupa para baixo e roupa para cima, muitas vezes caem umas pingas em sítios indesejados, mas o que interessa é ir treinando.