quarta-feira, novembro 28, 2007

eu quero ajudar

é uma característica da personalidade do pedro que se tem vindo a evidenciar nos últimos tempos. quando ele se começou a mover autonomamente, ficámos espantados com a maneira como ele sabia onde se arrumavam todos os utensílios de cozinha, e no geral, tudo na casa. foram anos e anos de observação. parecia até que ele sempre tinha participado nas tarefas domésticas. mas de há cerca de um mês para cá, quer mesmo ajudar a pôr e a levantar a mesa, ou a retirar e arrumar a louça da máquina de lavar. caixas de plástico, talheres, panelas, tudo bem. o problema é que de vez em quando, lá se parte um prato ou um copo, apesar de todos os cuidados que possamos ter. é que o desejo de autonomia dele leva-o a afastar quem o queira ajudar. há uma vontade imensa de provar a si próprio e aos outros de que é capaz, de que sabe. na verdade, já havia tarefas em que ele ajudava há muito tempo. ao colocarmos a roupa na máquina ou ao estendê-la, sentavamo-lo numa cadeira ao pé de nós e ele ou punha a roupa dentro da máquina ou nos dava as molas. pois, mas roupa cai no chão e não acontece nada. agora louça... o melhor será pedirmos um novo serviço ao pai natal.

sexta-feira, novembro 23, 2007

manhas

aconteceu com os outros dois, mas sinceramente pensava que com o pedro não viria a acontecer. o pedro sempre foi um "bom garfo", apreciador de comidas variadas. com excepção dos doces. nunca apreciou gomas, rebuçados, bolos e gelatinas. ok, mousse de chocolate e gelado têm a sua aprovação, mas isso é mais um indício do seu bom gosto gastronómico. sopa, legumes cozidos, esparregado e outras coisas a que normalmente as crianças torcem o nariz, marcha tudo. ou melhor, marchava. o sr. pedro, que já na incubadora da unidade de cuidados intensivos se agarrava ao biberão dando sinais claros de que queria viver, decidiu agora fazer fitas com a comida. o que dantes era um prato completamente vazio no fim da refeição, é agora um prato meio cheio, afastado para o lado com claros sinais de "não quero mais". isto já dura há alguns dias, mais ou menos semana e meia, seja qual for o menú. a confirmação das minhas suspeitas chegou quando, ao comentar o facto na escola, ouvi aquilo de que já estava à espera: "ah, mas ele aqui come sempre muito bem, muitas vezes até quer repetir". são apenas manhas, as mesmas a que assistimos com os outros dois. nunca demos grande importância a estas fases, pois sabemos que acabam por passar quando a táctica não produz efeito. quanto mais os pais se preocupam e quanto mais o assunto "comida" se torna uma maneira de atrair atenções, mais o comportamento dos meninos é reforçado. e que eles são manhosos, não tenhamos dúvidas. se aos outros dois passou depressa, ao pedro também irá passar. tudo nos conformes, portanto.

quarta-feira, novembro 21, 2007

de hoje

hoje quero chamar a atenção para um blog muito especial. uma mulher que está a viver a mesma situação que a mãedopedro viveu há 8 anos atrás, com uma ligeira diferença, extremamente importante. uma gravidez com infecção primária por citomegalovirus, mas neste caso foi diagnosticada antes do nascimento da criança. o blog chama-se "de hoje" e já figura na barra lateral do a vida com pedro. o post mais recente, que explica de uma maneira simples e directa o que se sabe hoje em dia sobre gravidez e citomegalovirus, merece uma leitura atenta. bem vinda à blogosfera, mada.

quinta-feira, novembro 15, 2007

uma ida ao supermercado

as idas ao supermercado com o pedro são actualmente verdadeiros concentrados de experiências. para ele e para mim. primeiro a autonomia, o pedro começa a querer fazer tudo o que consegue sozinho. deixado o carro no piso inferior do centro comercial, para subir ao piso do supermercado há que utilizar a passadeira rolante. mal entramos no hall, larga-me a mão e prepara-se para abordar a dita passadeira. no entanto pára, maravilhado com as iluminações de natal instaladas nos últimos dias. repara em todos os enfeites, aponta-os um a um, e eu faço-lhe os gestos correspondentes: luzes, bolas, árvore de natal, mais bolas aqui, mais luzes ali, mais árvores acolá. decide-se então a abordar a passadeira. não é fácil, mas ele já vai dominando a técnica de entrar com a passadeira em movimento, agarrando-se ao corrimão móvel, equilibrar-se no plano inclinado e preparar a saída. consegue tudo com exito, comigo sempre preparado para o agarrar se alguma coisa correr mal. maravilha-se com todos os enfeites, a cara iluminada por um daqueles sorrisos de fascínio que dá gosto ver, observa demoradamente as pequenas árvores colocadas nas separações entre lojas e repete os gestos correspondentes: luzes, bolas, árvores, natal. tiramos um carrinho e ele declara logo que quem o empurra é ele. ao avançarmos pelos corredores, só me permite pequenas correcções de rota, porque ter a mão sempre no carrinho, nem pensar. é ele que vai a pilotar. ajuda-me a colocar as compras no carrinho, escolhe as suas coisas preferidas. passo por debaixo de um cartaz colocado numa posição baixa e toco-lhe com a cabeça. todos os cartazes que se seguem, tenta tocar-lhes com as mãos, mas estão muito altos. só no corredor seguinte encontramos um cartaz suficientemente baixo para ele o alcançar, sobressaindo das estantes. corre para ele, com o seu passo atabalhoado, e passa por debaixo várias vezes, tocando-lhe, saciando a sua vontade de criança. faz-me o gesto com a mão fechada e o polegar esticado para cima, que toda a gente conhece, surdos ou ouvintes. os cartazes seguintes já não o interessam, o desafio já tinha sido vencido. mais à frente decide que já posso ser eu a conduzir o carrinho. fica um bocado para trás, entretido com um expositor. eu vou avançando e, quando me viro para trás, vejo-o a passar entre dois carrinhos que estão parados, deixando espaço para apenas uma pessoa passar de cada vez. dois jovens apressados forçam a passagem em sentido contrário e acabam por fazê-lo cair, sem sequer olhar para trás ou parar para o auxiliar. quando chego ao pé dele, já um senhor de olhar bondoso o tinha levantado. chora ofendido e volta-se para trás zangado, mas quem o fez cair já desapareceu no meio dos corredores. enquanto estamos à espera de ser atendidos na charcutaria, chegam os dois jovens (um casal, provavelmente irmãos), que não me tinham chegado a ver, e ela ao ver o pedro deixa sair um "o quê? já estás aqui?", com ar de desdém, ao que eu respondo "olha os imbecis outra vez". percebem então que o pedro está comigo, e não se atrevem a responder. ainda bem, porque eu estava preparado para lhes dar uma pequena lição de moral em público. enquanto somos atendidos, o pedro crava 3 fatias de queijo às simpáticas funcionárias da charcutaria. devora-as uma atrás da outra, já faz parte dos rituais de supermercado. obrigo-o a fazer o gesto de obrigado. na secção da fruta, engraça com as uvas, vai buscar um saco, e é ele que as escolhe e as coloca dentro do saco que eu seguro. decide também que é ele que as leva à balança para a funcionária as pesar. mais uma missão cumprida com exito. na fila para a caixa, pede-me para fazer xixi. como as casas de banho são mesmo ao pé do supermercado, deixamos o carrinho a um canto e saimos. ao chegarmos às casas de banho, a reservada a deficientes está de porta fechada e a das senhoras está em limpeza, com a indicação para utilizar as do piso de cima. dirijo-me às dos homens, mas estão sujas. decido-me voltar para trás para uma nova abordagem à dos deficientes. chegamos no momento em que a porta se abre e de lá de dentro sai uma senhora sem qualquer sinal de deficiência. deixo escapar um irónico "ah, mas que bem!". a senhora, que não quis dar-se ao trabalho de subir ao piso superior, prepara-se para me responder, irritada, quando repara no pedro. o registo muda automaticamente para um pedido de desculpas envergonhado. quando saimos da casa de banho, vejo um senhor com ar de importante a dirigir-se às casas de banho dos homens, que entretando tinham entrado em manutenção. repara na placa que solicita a utilização das do piso superior, olha para as escadas com enfado e entra, acto contínuo, na reservada a deficientes. preparo-me para lhe fazer um reparo, mas decido que é desperdício de energias. regressamos ao supermercado, para a fila da caixa. o pedro repara nos expositores dos carrinhos hot wheels, estrategicamente colacados junto às caixas, junto a chão. escolhe 3, eu digo-lhe que só pode levar um. fica indeciso, mas lá escolhe um vermelho com umas "chamas" pintadas a branco. digo-lhe para colocar os outros de volta no expositor. atrapalha-se ao colocá-los, irrita-se ao fim de algumas tentativas, porque eles caem sempre. com paciência, decido intervir e ensino-lhe a "mecânica da coisa". consegue. satisfeito, repete a operação várias vezes. tira e volta a colocar. entretanto chega a nossa vez na caixa. ajuda-me a colocar as compras na passadeira rolante da caixa e depois ajuda a operadora de caixa, passando-lhe alguns itens para a mão. quando acaba a nossa conta, quer continuar a ajudar a operadora, com as compras dos outros clientes. as pessoas da fila, que o tinham estado a observar, riem-se com gosto e ternura. digo-lhe que nos vamos embora, e ele vem, alegremente, fazendo adeus à senhora da caixa. é o que eu dizia no início do post: um concentrado de experiências. umas boas, outras más.

quinta-feira, novembro 08, 2007

no escuro

há um aspecto que ainda não consegui esclarecer em relação à surdez. pode parecer um bocado tolo, mas quando o pedro era pequenino, a nossa primeira formadora de língua gestual disse-nos para nunca apagarmos completamente a luz do quarto dele enquanto ele dormia, porque os surdos, na escuridão total, ficam completamente sem referências e sentem-se um bocado perdidos. foi o que fizemos. no entanto, a partir dos 4, 5 anos, foi o próprio pedro que começou a pedir para apagarmos a luz do quarto dele, antes de dormir, e não parece sentir-se minimamente desconfortável na escuridão total. o que eu gostava que me esclarecessem, principalmente os surdos que passam por este blog, era se o nosso pedro foje à regra, ou foi a nossa primeira formadora que generalizou para todos os surdos o seu caso particular.

terça-feira, novembro 06, 2007

comunicação e escadas

queria ter escrito este post ontem à noite, mas confesso que fui vencido pelo cansaço. e explicação é simples, desde sábado que a mãedopedro está fora para um congresso e ser pai "solteiro" tem muito que se lhe diga. também o facto de a carlota, a cadelinha que se juntou à família no natal passado, ontem ter sido mãe ajudou à festa. e comecemos por aí. ainda não fez um ano e o bom do spike já lhe "fez a folha". teve uma cachorrinha linda que aglutinou as atenções de todos. o pedro está radiante com a bebé, esta manhã foi a primeira coisa que quis ver. no entanto, quando chegámos à escola e lhe disse, em língua gestual, para contar à professora o que tinha acontecido, não conseguiu (ou não quis?), expressar-se com clareza. o que me leva a uma velha questão, que tem a ver com os níveis de comunicação do pedro. quando o assunto lhe interessa e no momento certo, a comunicação com ele consegue ser fluída, uma verdadeira conversa em língua gestual. noutras vezes, principalmente se o assunto são acontecimentos passados, remete-se a um papel de passividade, como se dissesse "sim, pois" e deixa todo o trabalho de nomeação e concretização para nós. preguiça? não me acredito que seja incapacidade. é sabido que esta questão da comunicação está condicionada pelo contexto e também pode ser que ele se sinta mais acanhado com a professora, é difícil saber. o que é certo é que ele de manhã fez os gestos todos correctamente, "bebé cão ver eu quero" ( a gramática gestual é consideravelmente diferente da da língua portuguesa), e depois na escola só fez que sim com a cabeça.

(interrupção causada pelos sons da cachorrinha, que tinha saído da casota, provavelmente empurrada pela mãe enquanto a lambia. já a coloquei junto à mãe, no quentinho. ao pai spike não lhe é permitido chegar-se ao pé da bebé, porque a mãe carlota rosna-lhe logo. é esta a condição dos machos... :) )

de resto a vida vai fluindo, o pedro acabou com êxito o desmame da fenitoína e a questão da epilepsia parece estar controlada. agora o seu auto-desafio a nível físico são as escadas. quer descê-las sozinho. apoia o antebraço esquerdo no corrimão e lá vai, sempre com a minha supervisão, que a mãe não gosta muito destas veleidades. também é verdade que, por questões de horário, este ano sou eu que o despacho todas as manhãs e, portanto, não é muito frequente ele descer as escadas com a mãe. outra coisa que atrapalha as nossas manhãs é que o pedro quer sempre ser ele a trazer para baixo a roupa suja do dia anterior e colocá-la no respectivo cesto, mas como a mão direita não é muito eficaz em termos de preensão e a esquerda está ocupada com o corrimão, não consegue. às vezes opta por atirar a roupa lá de cima, mas eu normalmente nao o deixo, porque não acho que seja sistema a adoptar, apesar de concordar que é eficaz. com o tempo, tenho a certeza que ele conseguirá apoiar-se com a esquerda e trazer a roupa na mão ou no braço direito, é uma questão de treino. conclusão: as escadas continuam a ser território de mil atenções e as descidas matinais ameaçam tornar-se verdadeiras aventuras.