quarta-feira, dezembro 31, 2008

Feliz Ano Novo 2009

O ano de 2008 termina oficialmente e diria também uma amiga nossa cosmicamente, uma vez que a mãe terra demorou um ano, ou mais precisamente, 365 dias, 5 horas e 48 minutos a dar uma volta completa em torno do Sol. Hoje grande parte da humanidade celebra o fim de um ano e o início de outro. Para mim e fazendo um balanço do ano de 2008, tenho a agradecer a Deus o facto de estar bem de saúde, embora ainda não tenha deixado de fumar, trabalhar naquilo que gosto, ter um marido que amo e pelo qual sou amada, ter uns pais com saúde física e mental, autónomos e com uma enorme capacidade para amar os seus filhos e netos, ter três filhos que com altos e baixos são três pessoas que estão crescendo e mostrando cada um deles o quanto grandes são na sua luta, nos seus valores e na capacidade que têm para amar e serem amados, ter alguns amigos que durante anos continuam presentes nas nossas vidas. Enfim o verbo ter está muito presente neste post, pois bem tenho porque aquilo que de melhor sei dar é o meu amor.

Com isto desejo a todos aqueles que ao longo deste ano leram os posts dedicados ao pedro e à família do pedro um Feliz Ano Novo de 2009.

segunda-feira, novembro 10, 2008

HIPOTERAPIA

Acho que o espaço do Pedro e da família do Pedro está a precisar de uma lufada de ar fresco e depois de preparar a minha aula de amanhã sobre sucessões e torres de Hanoi, vou falar um pouco sobre a hipoterapia: Técnica de tratamento aplicada em reabilitação, que explora os inputs motores e sensoriais que o cavalo transmite ao indivíduo, estimulando padrões motores normalizados e promovendo uma melhor integração sensorial.

Há já alguns anos e com isto quero dizer que o tempo passa veloz, pois o Pedrinho já vai fazer 9 anos no próximo dia 9 de Dezembro, o Pedro iniciou a hipoterapia com a sua terapeuta ocupacional, que por sinal é a única terapeuta da APPC, núcleo de Faro que o acompanha duma forma regular, há pelo menos cinco ou seis anos.

Na passada sexta-feira dia 7 de Novembro fui com o Pedro aos cavalos e ele adorou, aliás ele adora ir aos cavalos. O lugar onde se realiza a Hipoterapia é na Quinta do Lago e a comunidade inglesa, residente, organiza-se de forma a prestar a ajuda necessária para que crianças e jovens com paralisia possam usufruir do espaço maravilhoso e do suporte daqueles animais dóceis e prestáveis que com paciência transportam nos seus dorsos as crianças e jovens que realizam a hipoterapia, claro está com a supervisão técnica da terapeuta ocupacional e dirigidos por uma amável e sorridente inglesa. Foi bom, muito bom ver o Pedrinho dar indicações ao cavalo para andar, ou para parar, entre outras actividades. O cavalo paciente andava, parava, movimentava-se aos ziguezagues. Enfim foi uma lufada de ar fresco.

segunda-feira, outubro 27, 2008

incapacidades

não foi a primeira vez, mas ir com o pedro à junta médica para avaliação da incapacidade é sempre uma experiência estranha. o objectivo são os (poucos) benifícios fiscais de que podemos usufruir e obter o selo com a cadeirinha de rodas estilizada que permite estacionar nos lugares reservados para o efeito. munidos dos relatórios médicos que enumeram os problemas do pedro, lá fomos, mãe, pedro e eu. na sala de espera, vários casos que também aguardam a sua vez. as famílias com filhos portadores de deficiência mais velhos do que o pedro (alguns já adultos) captam de imediato a nossa atenção. pai, mãe e filho, tal como nós. é inevitável projectarmo-nos no futuro e perguntarmo-nos como seremos quando o pedro tiver aquela idade, quando nós tivermos a idade daqueles pais. teremos o ar mais desgastado de alguns, ou teremos o ar mais tranquilo de outros? chega a nossa vez. entramos os 3 para o gabinete e enfrentamos a junta médica, que despacha caso após caso. fala-se em números. percentagens de incapacidade. o conceito é confuso, porque 70% de incapacidade não corresponde a 30% de capacidade. nada disso. são números, apenas, um índice qualquer que por facilidade se expressa em percentagem, tudo muito relativo. os médicos da junta são simpáticos, cordiais, mas pouco calorosos. para eles somos apenas mais uma família como tantas outras que têm que ver. e deparam-se com certeza com casos bem mais dramáticos do que o nosso. é lógico que não divulgo qual a percentagem de incapacidade que foi atribuída ao pedro desta vez, é pessoal e intransmissível. além de não ter o mínimo interesse para este relato, só iria alimentar alguns espíritos mesquinhos que rondam por aqui, como abutres à espera que a vítima fraqueje para darem mais uma bicada. incapacidades...

sexta-feira, outubro 10, 2008

é obra!

meia hora com a mesma garfada na boca, é obra. tanta lesão provocada pelo vírus, mas a teimosia ficou intacta. mas como a minha paciência também é muito grande, ao fim de meia hora o cano desentopiu e o resto do jantar decorreu normalmente.

segunda-feira, setembro 29, 2008

tratamento da epilepsia - processos complexos

já foi várias vezes dito aqui que a epilepsia é das questões mais difíceis com que temos que lidar. faz agora 1 ano que o pedro foi internado por descompensação da epilepsia pela última vez e, desde aí, tem sido uma longa história de introduz medicamento, retira medicamento, introduz medicamento, retira medicamento, numa espécie de busca pelo santo graal, ou seja, da terapêutica ideal. a combinação de medicamentos e respectivas doses que controlem as crises com o mínimo de efeitos secundários possível. o que as pessoas normalmente não sabem é que estes processos são extremamente lentos pois tanto a introdução como o desmame são processos graduais em que se aumenta ou diminui a dose de forma progressiva, normalmente com intervalos de duas semanas entre cada alteração. como a posologia mais habitual é de duas vezes por dia, é necessário quase um mês para se completar um aumento ou uma diminuição nas duas tomas diárias. para se ter uma ideia, há seis meses atrás estávamos a tentar o desmame (que não se revelou possível, pois apareceram crises) da mesma droga que estamos a tentar agora. outro aspecto neste processo de substituição de drogas é que se passa por uma fase de sobremedicação, com efeito comulativo de efeitos secundários, desde que se atinge a dose terapêutica do fármaco introduzido até se fazer o desmame da droga que se pretende retirar. é nessa fase que o pedro está agora. nos finais de agosto vomitava quase todos os dias a meio da manhã, além de que dormia grande parte da manhã. o apetite devorador que sempre teve, desapareceu por completo e houve fases em que era mesmo necessário forçá-lo a comer. felizmente o desmame do depakine (valproato de sódio) está a ser bem sucedido e a nova droga (topamirato, nome comercial topamax) parece ser mesmo eficaz. tudo isto acaba por produzir uma série de equívocos. primeiro equívoco: quando o pedro regressou à escola, pensaram que ele tinha perdido a autonomia na alimentação, devido à sua grande falta de apetite que fazia com que só comesse se lhe dessem a comida à boca. segundo equívoco: como as crises provocam um grande sono após o seu aparecimento, é fácil pensar-se que o sono que o pedro ainda tem a meio da manhã é devido a uma crise (relembro que o pedro por vezes tinha crises quase imperceptíveis). pode-se ainda pensar que o pedro anda com sono porque não dorme bem em casa, como ainda esta semana foi insinuado. a verdade é que tenho fé neste tal de topamirato e desde que o começou a tomar o pedro está completamente livre de crises, embora haja pessoas à sua volta que olham para mim com ar incrédulo quando eu digo isto. até ao desmame total do valproato de sódio ainda temos pela frente 2 meses e meio, até termos a certeza de que o topamirato é realmente eficaz. escrevo este post para que aqueles que contactam com estas questões sem estarem bem por dentro delas fiquem a conhecer mais aprofundadamente a complexidade destes processos.

sexta-feira, setembro 26, 2008

partir a loiça

apetece-me partir a loiça. o meu silêncio aqui deve-se ao descontentamento com este blog, com o rumo que está a tomar, por se ter tornado uma janela aberta para a nossa vida. quando o começámos, eramos anónimos e tinhamos toda a liberdade de deitar cá para fora o que nos ia na alma, mas aos poucos, muita, demasiada gente que nos rodeia foi tendo acesso aqui e essa liberdade perdeu-se. técnicos que trabalham com o pedro têm acesso ao blog, é preciso ter cuidado com o que se escreve sobre os técnicos que trabalham com o pedro. o avô que abandonou o barco tem o endereço do blog, é preciso ter cuidado com o que se escreve sobre o avô que abandonou o barco. este rumo não me interessa e por isso das duas uma: ou este blog acaba ou se parte a loiça. não me interessa nada projectar a imagem de que tudo está bem, que a vida com uma criança com multideficiência é o sétimo céu e que todos os que estão à nossa volta se portam excelentemente. porque nem habilitar uma criança com multideficiência é o sétimo céu nem todos os que estão à nossa volta se portam excelentemente. e como não quero acabar com este blog, só me resta partir a loiça, doa a quem doer.

este post foi começado em junho, mas ficou na forja. nem consegui acabar com o blog nem consegui partir a loiça. nem uma coisa nem outra. mais uma vez me convenço que o caminho está no meio e não em nenhum dos extremos. mas não me vou deixar condicionar por quem vem aqui espreitar sem comentar.

o avô abandonou o barco. o meu pai, que foi tão importante nos primeiros anos de vida do pedro, foi aos poucos deixando de aparecer. começou por deixar de dar o apoio que nos dava nos transportes do pedro entre a escola, terapias e casa, e depois progressivamente deixou de aparecer. é verdade que tem uma namorada e precisa de mais tempo para ele próprio, mas isso não explica este afastamento. meses e meses sem ver o neto, para quem era uma das figuras de referência. a mãedopedro diz que eu devia ter uma conversa com ele, mas não me apetece neste momento passar por uma ruptura definitiva, que é onde sei que uma conversa nos iria conduzir. as pessoas desiludem-nos, com o seu egoismo. resultados prácticos: o rame-rame do dia-a-dia ficou mais difícil para nós. para cobrir a ausência do meu pai, pedi flexibilidade de horário no meu trabalho, que é um direito de qualquer pai ou mãe de filhos menores de doze anos. no caso do filho ser portador de deficiência esse direito prolonga-se até uma idade com a qual me preocuparei quando o pedro fizer doze anos. um dia de cada vez, sempre. a flexibilidade de horário só não é possível quando isso afecta a prestação de serviços directos ao público ou utentes dos serviços, como é o caso dos professores. assim, se preciso de sair mais cedo, entrar mais tarde ou interromper o trabalho para consultas, terapias, reuniões, etc, não tenho que justificar ou pedir favores às chefias. fica tudo mais transparente. muitas vezes hesitamos em accionar estes direitos, pensando que isso nos deixa numa posição mais frágil em relação aos nossos colegas, mas a verdade é que se nos continuarmos a dedicar à vida profissional com zelo e competência, as coisas correm bem.

isto passou-se no final do ano lectivo passado. entretanto o irmão do pedro já tem carta de condução e começa também a ajudar-nos nesta gestão dos tranportes do pedro. foi ele que hoje, por impossibilidade minha e da mãedopedro, foi buscar o irmão à escola. mas esta ausência do meu pai fez-me sentir mais só. se até os familiares mais próximos se afastam... e eu e a mãedopedro deixamos de ter tantas oportunidades (que já eram poucas) para estarmos só os dois durante uns dias. quero acreditar que este afastamento do meu pai não tem directamente a ver com as deficiências do pedro, mas a verdade é que ficamos mais defensivos com o tempo e nasce-nos cá dentro um rugido de leão quando desconfiamos que alguém, seja ele quem for, está a rejeitar os nossos filhos por eles serem portadores de deficiências. para mim está cada vez mais claro que risco essas pessoas e levou muito tempo até conseguir assumir publicamente que risquei o meu pai. talvez seja esta a principal razão do meu silêncio por aqui. porque não conseguia escrever sem escrever sobre isto e até hoje não conseguia escrever sobre isto.

domingo, setembro 21, 2008

Não deixarei este e-espaço morrer

O pai do pedro há muito que não escreve neste blog, a razão foi a de não sentir a mesma liberdade de outrora para escrever aqui, aquilo que lhe vai na alma. No entanto eu preciso deste espaço, é tão bom sentir que apesar de tudo existem pessoas, pessoas coloridas e com alma, capazes de apoiar outras que apelam o seu entendimento, a sua compreensão e também a sua força perante as adversidades da vida. No meu trabalho e com os meus colegas é tão raro alguém perguntar-me como é que está o pedro ou como é que eu estou. Por vezes tenho a sensação de que se eu não conseguir aguentar a pedalada tanto melhor, pois haverá uma outra pessoa igual ou melhor qualificada para desempenhar o meu papel. As exigências do dia a dia são cada vez maiores e pelo menos resta este pequeno, grande espaço para partilhar, descobrir, aprender e saber amar não só os nossos filhos senão também o ser humano na sua essência e desprovido de capas e vernizes supérfluos que a economia estimula e os medias divulgam com o objectivo do consumismo desenfreado. Por tudo aquilo que acabei de escrever continuo a acreditar neste pequeno, grande espaço e não deixarei este e-espaço morrer.
Um beijo

terça-feira, setembro 09, 2008

Fim de férias e retoma das rotinas do dia a dia

As férias chegaram ao fim e agora é tempo de retomar as rotinas do dia a dia e custa, é claro que custa. O Pedrito esteve mais ou menos bem ao longo destas férias, principalmente por causa dos medicamentos que tem de tomar para controlar as suas crises de epilepsia. É difícil conseguir a combinação mágica de medicamentos e ao mesmo tempo controlar os efeitos secundários. Perdeu o apetite voraz de outrora e está um pouco mais magro. Mas as férias foram boas e ele apesar de ter diminuido o apetite esteve bem. Agora e até ao final desta semana tem de frequentar o atl, de forma a que os pais do pedro possam retomar as suas actividades profissionais. E custa, é claro que custa. Estou desejosa que a Escola volte a funcionar e que o Pedro possa iniciar a sua actividade escolar junto da equipa de profissionais que o têm acompanhado assim como as terapias voltem a ser administradas. A irmã do Pedro também irá retomar a sua actividade escolar para a próxima semana e o irmão do pedro conseguiu entrar num curso na Universidade. Enfim a realidade e o quotidiano emergem e eu só peço a Deus que nos de forças a todos para que consigamos continuar a viver e a sobreviver à rotina do dia a dia. E custa, é claro que custa.

segunda-feira, julho 07, 2008

saber viver um dia de cada vez

Na passada sexta-feira, dia 04 de Julho de 2008, recebí por mail o relatório técnico-pedagógico do Pedro, de acordo com a alínea a) do ponto 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 3/2008. Relatório esse que devo dar o meu parecer em reunião marcada e na qualidade de encarregada de educação do Pedro. Em anexo a referido relatório foi-me enviado uma checklist sobre os parâmetros funções do corpo; actividade e participação e factores ambientais. Cada um destes parâmetros são ainda divididos em capítulos e quantificados por qualificadores, a saber:


0-nenhuma deficiência; 1-deficiência ligeira; 2-deficiência moderada; 3-deficiência grave; 4-deficiência completa; 8-Não especificada; 9-Não aplicável. Não vou detalhar a cheklist atribuida ao meu Pedro, no entanto posso apenas referir que ficou quantificado com três nas Funções Mentais Específicas. E aqui parei, e pensei o que é que se passa com as pessoas? Receber um mail codificado com tamanha informação é qualquer coisa de desumano, afinal sou mãe do Pedro e se fosse a mãe do António ou da Maria e me comunicassem por mail que o meu filho tinha deficiência completa, o que é que isso significaria, provavelmente morrer naquele instante.


Quando o Pedrinho tinha apenas meses de vida, a neuropediatra decidiu preparar-me para o pior e quando a minha ingénua mente evocou o que significava o pior, a Dra referiu que o pior significava que o meu filho poderia ser um vegetal. O Pedro provou-lhe o contrário, não é nada que se pareça com um vegetal, é uma criança alegre, comunicativa, carinhosa e inteligente, com o tempo veio a adquirir as suas competências motoras, afectivas, cognitivas e sociais e hoje é uma criança de oito anos que tem a sua autonomia de acordo com aquilo que se espera de uma criança de oito anos, claro está com as suas limitações. Agora passados oito anos técnicos do ensino, que são meus colegas apresentam-me um quadro meramente limitativo acerca das competências cognitivas do Pedro e o pior é que não apresentam soluções efectivas, nomeadamente referem no mail que "o Pedro desde muito cedo sempre foi apoiado, portanto estes papeis apenas servem para dizer que ele deve ter, o que já tem, ou seja não temos nenhum outro apoio para lhe prestar além do que já conseguimos dar".

Como já referí em post anterior, a família com uma criança deficiente é uma estrutura complexa e com um equilíbrio frágil que deve ser acarinhada e fortalecida pelos técnicos de saúde e da educação, pois o sucesso dos técnicos de saúde e da educação com as crianças deficientes está intimamente ligado com o equilíbrio destas famílias.
A mim, mãe do Pedro resta-me apenas saber viver um dia de cada vez.

segunda-feira, junho 23, 2008

língua gestual, sim ou não

a utilidade da língua gestual nunca foi uma questão consensual. não tenho dúvidas de que a língua gestual, nas crianças pequenas surdas, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do simbólico e, assim, no desenvolvimento cognitivo. sem língua gestual será muito mais difícil a criança surda compreender que pessoas, coisas, acções podem ser designadas por um símbolo. actualmente o nosso sistema de ensino considera a língua gestual como a língua materna das crianças surdas e estimula a sua aprendizagem desde (ou antes de) o pré-escolar. neste contexto, a língua portuguesa escrita surge como uma segunda língua, cuja aprendizagem é fundamental para o acesso ao conhecimento mais generalizado através dos livros. pelo que me apercebo, esta ideia não é muito bem aceite por muitos surdos mais velhos que foram educados na tradição oralista e que assim conseguiram uma integração mais plena na sociedade. não tenho dúvidas de que um surdo que apenas comunique por língua gestual terá muito mais dificuldades em atingir a autonomia numa sociedade em que apenas uma pequena percentagem dos seus elementos compreendem esta forma de comunicação. por outro lado há surdos que evidenciam uma espécie de "orgulho surdo", adoptando uma postura de que não são apenas eles que têm que aprender a língua dos ouvintes, mas que também os ouvintes têm que aprender a língua dos surdos. a realidade prova o contrário. são muito poucos os ouvintes que não tenham algum familiar ou amigo surdo que se dispõem a aprender língua gestual. pela minha experiência, muitos ouvintes têm uma grande curiosidade em relação à língua gestual, mas não fazem o esforço de a aprender. isto provoca que surdos que não sejam oralistas ou sejam fracamente oralistas tenham grandes dificuldades no acesso a questões básicas da existência, como sejam repartições públicas e serviços de saúde. não se compreende que os hospitais não tenham no seu staff intérpretes de língua gestual. parece-me então que o ideal será a criança surda utilizar a língua gestual dentro da comunidade surda, mas ser preparada, na medida das suas capacidades de oralização, para comunicar com a sociedade em geral. as diferentes reacções com que me deparo, interpreto-as como diferenças no vivenciar da sua diferença.

domingo, junho 08, 2008

Ontem foi dia de futebol

Ontem, consegui abrir um parêntesis ao contínuo dar respostas às solicitações do dia a dia, ora por questões laborais ora por questões familiares, que tem sido a minha vida ao longo do mês de Maio e neste princípio do mês de Junho. Por vezes tenho vontade de sair do comboio, numa qualquer estação e ficar durante uns tempos sozinha a ver os outros comboios passar. Onde é que eu já ouvi ou li esta frase? Pois bem, ia eu dizendo, consegui abrir um parêntesis e foi tão simples como ir ao supermercado, comprar umas cervejas e uns camarões e assistir na minha casa ao espectáculo televisivo Portugal-Turquia, com o pai do Pedro, a mana do Pedro e com o Pedrinho. O Pedro, embora surdo, prestou muita atenção ao jogo de Futebol e ficou francamente contente quando Portugal conseguiu marcar os dois golos, levantando os dois braços e batendo palmas de cada vez que era marcado um golo. Por vezes a vida assume prioridades e compromissos que é imperativo parar, nem que seja por instantes e nesse sentido a nossa equipa de futebol e as outras equipas europeias, não só proporcionam um momento de evasão à família do Pedro, como também a milhares de portugueses e de europeus. Por tudo o que acabei de escrever, bem haja o campeonato europeu de futebol e que Portugal consiga chegar à final.

quarta-feira, maio 14, 2008

a zanga

zanguei-me com o pedro. foi na segunda de manhã, ao pequeno almoço. os níveis da molenguice matinal do senhor pedro têm vindo, nos últimos tempos, a aumentar gradualmente. como a maior parte da crianças, não sabe o que é a pressa. para ele, o pequeno almoço pode perfeitamente durar mais de meia hora, que não há problema. mas além da molenguice, sua excelência tem vindo a ensaiar birras de não querer beber o leite, ou querer que lho dêem à boca. a lei do menor esforço. com os outros dois, quando eles ensaiavam este tipo de comportamentos, não havia problema: ála para a escola sem comeres. mas o pedro tem que tomar aquela catrefada de antiepilépticos e custa-me dá-los sem ele ter nada no estômago. segunda feira, no meio da molenguice, acabou por entornar o leite com cerelac por cima da roupa toda. camisola e calças em papa. como é que uma pessoa se passa em língua gestual???? dois berros e uma chapada. ficou de trombas, verdadeiramente chateado. mudança de roupa, preparar novo copo de leite, e o tempo a passar... lá conseguimos sair de casa, atrasadíssimos, e o pedro sempre muito cabisbaixo, a choramingar. amuo constante no trajecto casa-escola, de vez em quando um soluço, muito tristonho. quando saímos do carro, reparo que tem uma ferida no lábio. ou foi da chapada ou das tentativas de o forçar a beber o leite. chegamos à escola, ele sempre muito tristonho, conversa com a professora de como foi o fim de semana, o que fizemos, para depois ser explorado em sala de aula, o ritual de segunda feira. deixo-o e vou trabalhar. a meio da tarde a mãedopedro telefona-me e pergunta-me se eu tinha batido no pedro de manhã. repondo que sim e ela diz-me: ele contou tudo na escola, toda a gente ficou a saber. lá se foi a minha reputação de pai dedicado e paciente. apanho-o à saida da escola e no trajecto para casa continua amuado. pelo retrovisor, relembro-lhe a cena do pequeno almoço e peço-lhe desculpa por lhe ter batido. um sorriso ilumina-lhe imediatamente o rosto e pede-me um beijinho. tinhamos feito as pazes. no outro dia de manhã, a professora contou-me então que à hora de contar o fim de semana, o pedro, que normalmente dá muito pouca informação, achou que era a hora de contar o que o bruto do pai lhe tinha feito. a choramingar, pôs tudo a nú. o pai bateu, o leite derramou na roupa, ficou tudo sujo, o pai zangou-se e bateu. pode parecer trivial, mas para a escassez de informações que o pedro dá na escola, em relação ao que se passa em casa, isto é digno de registo. deve ter sido a primeira vez que ele contou uma situação com tanto pormenor. devo acrescentar que, ontem e hoje, os nossos pequenos almoços têm decorrido em perfeita paz.

domingo, maio 04, 2008

instinto e opção

tenho o maior orgulho na mãedopedro. na maneira como ela luta pelos nossos filhos, na sua capacidade de dar. às vezes, na minha condição de pai, penso que ela dá demasiado. que se preocupa demasiado com os filhos e que se esquece um bocadinho dela própria. mas isso sou eu, que não sei o que é sentir um filho a crecer dentro de nós. no fundo, fui eu que fiz dela uma mãe, ao gerarmos filhos em conjunto. amo-a profundamente não só por isso, mas muito por isso. é a nossa maior obra. a mais difícil também. a menos linear, aquela que exige que os planos sejam constantemente refeitos, repensados. a mãedopedro ama os seus (nossos) filhos com cada célula, cada fibra. por isso, porque é o seu instinto, mas também a sua opção, estou-lhe profundamente agradecido.

bom dia das mães para todas as mães que passam por aqui.

sábado, abril 19, 2008

porque é que é tão difícil?

nas últimas aulas de língua gestual temos estado a ver vídeos de histórias infantis. nas histórias que já conheço, tudo bem, vou percebendo, mas nesta última aula vimos a história de mamadú, um menino surdo africano que tem que vir para portugal para fazer os seus estudos, pois no seu país de origem não tem essa hipótese. embora tenha percebido linearmente a história, muitos pormenores falharam-me. já tinha essa experiência de ver os programas com tradução em língua gestual na televisão, quando experimento tirar o som. a dificuldade reside em conseguir separar um gesto de outro, uma vez que eles são feitos todos em sequência. é como se fosse um texto escrito sem espaços entre as palavras e tivessemos que individualizá-las. além disso, como ainda há alguns gestos que tenho que pensar para me lembrar do seu significado, quando volto a focar a atenção na história, já se passaram 4 ou 5 gestos a que não prestei atenção. voltando à comparação com o texto escrito sem espaços entre as palavras, temos que juntar a nuance de que as palavras vão desaparecendo, de maneira que não podemos voltar atrás. ou as captamos logo ou nada feito. uma coisa é falar em língua gestual, ao nosso ritmo, outra bem diferente é "lermos" o discurso gestual das outras pessoas. eu, que até tenho bastante facilidade para aprender outras línguas faladas ou escritas, às vezes sinto-me frustrado por depois de tantos anos a ter aulas de língua gestual ainda ter estas dificuldades. sei que alguns elementos da comunidade surda acham que estas dificuldades dos ouvintes em relação à língua gestual só acontecem por nos esforçarmos pouco. mas não. é dificuldade mesmo. e eles, os surdos, aprendem tão rapidamente. mesmo aqueles que foram educados na tradição oralista, em pouco tempo dominam a língua gestual. que inveja!

segunda-feira, abril 07, 2008

Plano Tecnológico da Educação

Achei por bem partilhar convosco a notícia de que o Pedrinho finalmente vai beneficiar de um computador portátil, a partir do programa e.escola, e as duas terapeutas ocupacional da A.P.P.C., núcleo de Faro, que trabalham há já alguns anos com o Pedro irão formalizar a adquisição do computador e adaptá-lo para ele. Foi a melhor notícia da semana passada. :-))
O Programa e.escola é abrangente e como disse o pai do Pedro, não me cabe a mim fazer a respectiva publicidade, no entanto também quero partilhar convosco que no referido programa, foi criado um regime especificamente dirigido a beneficiários da iniciativa com necessidades educativas especiais de carácter permanente, garantindo-lhes o acesso a computadores adaptados, sem quaisquer encargos adicionais. De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros publicada no Diário da República, o alargamento deste programa aos jovens com necessidades especiais no acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação justifica-se, nomeadamente, tendo em conta o princípio da não discriminação e da integração das pessoas com deficiências e incapacidades em contextos não segregados. Para mais informações consultar a Resolução do Conselho de Ministros publicada no Diário da República ou http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.eescola.pt/.

sexta-feira, abril 04, 2008

tranquilidade

hoje, chegado a casa, cansado, olhei para o pedro e vi um rapazinho. talvez tenha sido por ele ter cortado o cabelo e estar verdadeiramente bonito. e durante o jantar, dei por mim a olhá-lo de uma maneira diferente. não consigo bem explicar por palavras, mas olhei-o de uma maneira diferente. não vi o que o vírus destruiu, mas sim aquilo que foi poupado. pensei o quanto amo esta pessoazinha que ele é, com a sua personalidade, a sua força, a sua vontade de viver e a sua sensibilidade. há muito tempo que valorizo mais aquilo que ele é do que aquilo que foi destruido pelas lesões do vírus, mas hoje foi, de alguma maneira inexplicável, diferente. o pedro vai crescendo e transformando-se. cada vez mais tem o seu mundo próprio, a sua vontade, as suas preferências, as suas posturas e atitudes. é diferente de todas as outras crianças, mas não são todas as crianças diferentes entre si?

domingo, março 23, 2008

Feliz Páscoa

Hoje o Pedro, pais, irmãos e o avô materno foram também celebrar o Domingo de Páscoa à Igreja, católica porque por tradição judaico-cristã é a religião que nos pertence. Com isto quero dizer que sempre e na qualidade de mãe achei importante delegar nos meus filhos a descoberta e posterior conhecimento da espiritualidade e daqueles valores que de certa forma são transmitidos pela comunidade cristã. O Pedro, o meu pai e eu ficamos num lugar muito próximo de donde se celebrou a missa e comparativamente com outras idas à missa foi interessante observar o grande interesse do meu filho Pedro pela cerimónia que num dia como este teve lugar na Sé de Faro. Fiquei feliz por aperceber-me que o Pedro fazia um grande esforço por perceber o que se passava à sua volta, comunicando comigo em língua gestual e dando a sua mãozinha ora na minha, ora na do meu pai e também apreensiva por aperceber-me que ainda nos dias de hoje a Igreja Católica, apologista da igualdade de oportunidades para com todos os seus membros não utilize a língua gestual para dar a conhecer a mensagem transmitidas pelos padres, nem num dia como este. A comunidade preocupa-se em transmitir conhecimentos às crianças surdas utilizando as unidades de apoio à criança e jovens surdos, no entanto existe um vazio quando pensamos na hipótese de uma criança surda ter formação religiosa e volto a repetir a católica porque é aquela que nos pertence por tradição, sendo sim o importante a descoberta e posterior conhecimento da espiritualidade. No entanto não vejo a comunidade católica preocupada na formação espiritual dos surdos. Porque será?

sábado, março 15, 2008

este país não é para deficientes

segundo post do dia. não resisto a transcrever a crónica de joão bonzinho, com o mesmo título deste post e publicada ontem no semanário sexta, distribuído com o jornal público.

tribunal de abrantes, 11 de março de 2008, sim, dois mil e oito. uma testemunha, deficiente em cadeira de rodas, chega à porta do tribunal e pára. não encontra qualquer rampa, não pode, obviamente, subir as escadas, o edifício não tem elevador, jamais conseguirá entrar na sala de audiências se não o levarem ao colo. a imagem não é de ficção mas parece de filme. a ausência de acessos para deficientes no tribunal de abrantes lembra apenas um problema que faz toda a diferença no atraso de um país que, infelizmente, está muito longe de esgotar a sua inaceitável relação com os deficientes na ridícula imagem do tribunal de abrantes.
sem qualquer base científica, atrevo-me a presumir que mais de dois terços de portugal impede os deficientes de andar, subir, descer, entrar, sair. portugal é, portanto, um país muito atrasado. não é para deficientes, também não é para velhos, como sabemos, ainda nem sequer é um país para crianças, e já nem quero referir um estudo que dá um quinto das crianças portuguesas em risco de pobreza.
em abrantes, onde o parque de estacionamento tem lugares reservados a deficientes, o ridículo não matou ninguém mas feriu ainda a dignidade da justiça. como não chovia, decidiram os juízes levar a audiência para a rua e foi na rua, à porta do tribunal, que foi ouvida a testemunha deficiente.
claro que o tribunal de abrantes é apenas um dos muitos edifícios, sobretudo edifícios do estado, nos quais não podem existir deficientes. a tal testemunha ouvida à porta do tribunal disse mesmo aos jornalistas que na sua cidade quase não consegue deslocar-se a lado algum. "a mim, sinceramente, isto só me dá vontade de rir" afirmou. valha-nos isso. rir. do país e de abrantes. enfim. tudo como dantes.

lembrei-me imediatamente do estudo da deco, publicado na última proteste, sobre 300 estações de correios. entre soleiras altas, degraus interiores e portas estreitas e pesadas, 93 apresentam obstáculos para cadeiras de rodas. apenas 11 têm plataformas elevatórias.

congregação de esforços

um dos aspectos que mais me desagrada neste processo de habilitar uma criança portadora de deficiência é a dependência em relação aos outros. nunca fui propriamente uma pessoa que confiasse na sociedade e nas outras pessoas, sempre procurei ser autossuficiente, não depender dos outros, embora cá dentro gostasse que a sociedade fosse mais fraterna, mais aberta às diferenças individuais, e tenha uma postura na vida de disponibilidade para a sociedade. não sou propriamente um bicho do mato, que vive à margem das estruturas sociais. só não confio cegamente que cada um dá o melhor de si, desconfio muitas vezes das motivações e das lógicas sociais. acredito que, se queremos mudar a sociedade, temos que o fazer por dentro, adoptando posturas de acordo com aquilo em que acreditamos. às vezes penso que a vida, ao apresentar-me este desafio que é ter um filho com deficiência, me quis dizer "tu, que tens a mania que passas bem sem os outros, que tens a mania que não precisas da sociedade para viver, que és tão crítico em relação ao seu funcionamento, vê lá se te aguentas com esta. agora cria lá este filho sem a intervenção das estruturas sociais, a ver se consegues". claro que para criar qualquer filho precisamos das estruturas sociais, quanto mais não seja da estrutura escola. mas com os irmãos do pedro conseguia-se e consegue-se gerir a questão com alguma simplicidade, falando sobre as coisas e estimulando, neles também, o espírito crítico. com o pedro é realmente diferente. precisamos da intervenção de uma série de profissionais e de estruturas. médicos, terapeutas, educadores, hospitais, escolas, associações, cada uma com a sua lógica interna de funcionamento, com as quais muitas vezes não concordo, não percebo, mas não posso pura e simplesmente virar as costas e dizer "tchau, passo muito bem sem vocês". mais, precisamos não só desses profissionais e dessas estruturas, mas também da sua articulação e congregação de esforços, pois só assim se conseguirá optimizar o potencial, já de si reduzido pelas lesões deixadas pelo maldito vírus, do pedro.

estes 8 anos com o pedro não me mostraram, de maneira nenhuma, que eu estava enganado em relação à nossa sociedade e ao seu funcionamento. se tem havido algumas estruturas que me têm surpreendido pela positiva, pelo carinho e competência com que lidam com o pedro, outras há que, apesar da boa vontade de alguns profissionais, têm lógicas de funcionamento que me escapam por completo. estruturas onde as pessoas põem o seu ego à frente da missão da estrutura que dirigem ou na qual estão integrados. a articulação e congregação de esforços tem sido mesmo a parte mais difícil de gerir. tantas vezes que tem falhado e continua a falhar. há boas estruturas que funcionam bem internamente, mas não se articulam com as outras. e quando estamos a lidar com multideficiência isto torna-se muito complicado, pois é crucial que as estruturas dialoguem umas com as outras, aprendam umas com as outras, que as pessoas estejam abertas aos conselhos e ensinamentos dos outros. da nossa parte, pais, vai surgindo um certo cansaço de estar sempre a insistir nos mesmos pontos, nas mesmas teclas: vejam lá, é preciso reunirem-se com as outras partes, falarem uns com os outros, criarem hábitos de troca e partilha de informações. regularmente e não apenas quando os chatos dos pais insistem muito.

ontem à noite vimos na rtp2 um documentário sobre os soldados norteamericanos mutilados na guerra do iraque. entrevistas pessoais sobre processos de reabiliatação, só possíveis com reais congregações de esforços multidisciplinares. próteses revolucionárias tecnologicamente, técnicas cirurgicas avançadas, fisioterapias intensivas, reabilitação psicológica, motora, funcional. e demos por nós a pensar que, se vivessemos nos estados unidos, o mais certo era o pedro já estar mais habilitado. vivemos num mundo em que a informação circula a uma velocidade impressionante. os maiores avanços da ciência estão ao alcance de um click no rato. então porquê estas assimetrias? qualquer dirigente tem a oportunidade de contactar com as mais modernas técnicas de gestão, qualquer profissional tem a oportunidade de aprender as mais modernas técnicas na sua área. é só querer.

quarta-feira, março 05, 2008

actualização

os dias voam e este blog não tem sido actualizado com a frequência com que gostaria. as solicitações na vida desta família continuam a ser múltiplas e às vezes sentimo-nos como se fossemos um lençol demasiado curto para o tamanho da cama: se esticamos para um dos lados falta do outro, se tapamos os pés não chega para cobrir os ombros. sei que os leitores habituais deste blog gostariam de uma maior frequência de posts, mas também sabem que o silêncio corresponde a rotina, porque quando as coisas se descontrolam tenho necessidade de vir aqui desabafar.

o nosso pedro está bem. começou a fazer o desmame de um dos antiepilépticos porque a neuropediatra achou que a nova droga introduzida teve efeitos positivos, embora não tenha controlado por completo os trejeitos faciais. a retirada do outro medicamento vai ser muito gradual, muito lenta, e ainda só estamos no início. para já parece-nos que o pedro está a responder bem, inclusivamente apresenta melhoras dos tais trejeitos, mas nestas coisas da epilepsia nunca se sabe. pode ser apenas coincidência e estarmos naturalmente em fase de menor actividade, ou pode realmente significar que os tais trejeitos, em vez de serem actividade epiléptica mal controlada, são efeito colateral da medicação. nunca ninguém se arrisca a afirmar coisas com certeza absoluta, nós, pais, que lidamos com ele todos os dias e observamos estas flutuações somos afinal os melhor colocados para tirarmos conclusões. de qualquer maneira acaba por ser um processo muito de tiros no escuro, de avançar às apalpadelas. quando perguntei à neuropediatra quais seriam os sinais de alarme para interromper o desmame, obtive como resposta que se ele tivesse uma convulsão era sinal para parar. pois, isso já eu sabia. queria era saber outros sinais antes de passarmos novamente por convulsões, mas, pelos vistos, tem mesmo que ser assim.

esta nova conversa com a neuropediatra decorreu em consulta de fisiatria. revisão mandatória e já um pouco atrasada em relação ao desejável. as botas adaptadas já estão bastante gastas e não podemos ir pura e simplesmente à sapataria e comprar um par novo. não, cada novo par de botas tem que passar por um processo de receita, cabimentação orçamental, aprovação, encomenda, tirar medidas, pelo menos um mês em processos borucráticos e de manufactura. falou-se novamente em cirurgia à perna direita, que terá que ser efectuada antes do pulo de crescimento do início da adolescência, ou seja, nos próximos dois anos. este é um ponto quente nas questões relacionadas com o pedro, porque a primeira que ele fez não correu lá muito bem. a próxima terá que ser muito bem ponderada, porque gato escaldado de água fria tem medo, como toda a gente sabe. o problema continua a ser que a cirurgia relacionada com a paralisia cerebral não tem grandes tradições no nosso país e não há grupos com experiência suficiente para garantir o sucesso e que não sejam feitas asneiras, e a hipótese de recorrer a grupos estrangeiros implica uma logística familiar muito complicada. assunto no horizonte, portanto, o que tiver que ser, será. para os próximos tempos, botas novas, talas, standing-frame, os gadgets do costume.

quanto à autonomia, há a registar que deixámos de utilizar as cadeirinhas de segurança nos carros. embora o pedro ainda as devesse utilizar, a verdade é que lhe complicavam todas as manobras relacionadas com entrar, estar e sair dos veículos. sem a cadeirinha tudo se torna mais fácil e ele já consegue fazer os movimentos todos sem ajuda e viaja agora muito mais confortável. são pequenas coisas que nos tornam a vida mais perto da normalidade. ponderar entre o que é legal, recomendável, e o que é prático é mais uma das coisas que temos que fazer.

como será fácil de imaginar, muitas coisas mais se passaram nestas três semanas de silêncio blogosférico, mas não cabe tudo neste post. fica aqui a promessa de uma pausa mais curta até nova postagem.

domingo, fevereiro 17, 2008

Famílias Resilientes

No dia 16 de Novembro de 2007 fui ao congresso "Para além da diferença: desafios e oportunidades", organizado pela APPC, núcleo de Faro e tive a oportunidade de assistir a uma comunicação sobre Família e Resiliência, apresentada pela Pedopsiquiatra Paula Vilariça do Hospital D. Estefânia. Na altura e se bem me lembro fiquei contente com a apresentação uma vez que, e de acordo com aquilo que eu entendí, a minha família apesar de tudo era uma família resiliente.

Resiliência - capacidade de um material para recuperar a sua forma após ter sido exposto a uma força deformante. E, de acordo com os meus apontamentos, as famílias resilientes:

- Equilibram as necessidades da criança com as outras necessidades da família;

- Mantêm limites familiares claros;

- Atribuem significados positivos à situação;

- Mantêm a flexibilidade familiar;

- Mantêm a coesão familiar;

- Fazem esforços activos de adaptação;

- Mantêm a integração social;

- Desenvolvem esforços de colaboração com os técnicos.

Estratégias para estimular a resiliência familiar:

- Tornar o tempo uma prioridade;

- Manter as perspectivas;

- Criar uma rede suporte;

- Procurar ajuda profissional;

- Ter folgas;

- Brincar.

Famílias resilientes sim, mas não duma forma contínua ou progressiva, até porque os avós vão envelhecendo e por vezes afastam-se da família, os filhos enquanto pequenos e jovens estão presentes e colaboram com os pais, mas com o tempo também têm de conquistar a sua própria autonomia, os tios e sobrinhos, no nosso caso, estão separados da nossa família por barreiras geográficas e os amigos esses com o tempo vão-se afastando, até porque o pai e a mãe do Pedro têm menos tempo livre para conviver com qualidade com eles.

Enfim, aquilo que eu gostaria de perguntar a outras famílias resilientes (ou não) é se não sentem que com o tempo, a família que luta pela resiliência acaba (ou não) por ficar isolada e constituída pelo núcleo pai/mãe/filho deficiente, na melhor das hipóteses, até porque muitas vezes é apenas constiuida por mãe/filho deficiente e sendo assim acaba por não satisfazer os requisitos necessários para ser uma família resiliente.
Caso contrário, ou seja famílias que continuam a ser e a acreditar, apesar do decorrer do tempo, que é possível ser uma família resiliente, agradeço que o testemunhem de forma a todos nós aprendermos a dar continuidade ao conceito de FAMÍLIA RESILIENTE.



Um beijo, mãe do Pedro.

sábado, fevereiro 09, 2008

responsabilidade colectiva

a foto vem do site piada.com, mas não tem piada nenhuma. pelo contrário, é triste. não sei onde foi tirada, mas parece-me que poderia ter sido em qualquer ponto do país, que nisto da falta de respeito pela diferença há uma homogeneidade muito grande em todo o território português. o tema das acessibilidades vai-se tornando um tema recorrente neste blog. qualquer pessoa mais atenta encontra no seu dia-a-dia múltiplos exemplos desta falta de respeito crónica que, infelizmente, faz parte da (falta de) cultura social do nosso povo. os carros nos passeios a impedirem a circulação de cidadãos em cadeiras de rodas ou simples carrinhos de bebés, as escadarias que dão acesso a muitas repartições públicas sem rampa ou elevador correspondente, as escolas que não estão preparadas nem se querem preparar para a circulação de alunos com mobilidade reduzida, etc, etc, etc. isto não é mais do que um reflexo do egoísmo e da falta de sentido comunitário que temos. cada vez mais cada um vive principalmente para suprir as suas necessidades e as dos seus, e não se encara o outro, aquele que conosco partilha o mesmo habitat social, como um igual. muitas vezes nem se olha para ele. da mesma maneira, as crianças que estão a crescer com deficiências não são encaradas como fazendo parte da comunidade, não se sente uma efectiva responsabilidade colectiva pela sua habilitação, pelo seu desenvolvimento, pela optimização do seu potencial. são encaradas como responsabilidade do seu agregado familiar, que será, também sob a óptica social vigente, o único responsável pelo seu bem estar e pela sua sobrevivência quando fôr adulto, principalmente se fôr um adulto com um elevado grau de dependência. preocupam-me certas tendências sociais que começam a vir ao de cima sem qualquer vergonha nem reserva, como as declarações de alguns dirigentes da confederação da indústria portuguesa que querem poder despedir trabalhadores que atravessem fases de cansaço físico ou psicológico, incluindo entre os exemplos trabalhadores que tenham problemas familiares. e ainda por cima considerarem isso como justa causa. sabendo bem o impacto que o nascimento de um filho portador de deficiência tem obrigatoriamente sobre os pais, enoja-me que haja pessoas que se sintam no direito de despedir os seus funcionários a quem isso aconteça, enoja-me esta total ausência de solidariedade social. acompanhar o crescimento de um filho "especial" exige um esforço constante, exige disponibilidade para acompanhamento a terapias, consultas médicas, actividades diversas e, em fases mais complicadas e dependendo da parsonalidade de cada um, surgem perturbações do seu rendimento no local de trabalho. talvez por isso, muitos casais optam pela cessação da actividade profissional de um dos seus elementos, normalmente a mulher. como todos os casais nesta situação, de tempos a tempos ponderamos essa hipótese, mas nunca nos pareceu que esse seja o caminho correcto. essa opção implica o sacrifício (a mãedopedro não gosta que eu use esta palavra, mas eu acho que é a mais apropriada) de um e o afastamento e sobrecarga do outro, porque prescindir de um dos ordenados do agregado não é simples e pode implicar mais trabalho (por exemplo um segundo emprego) para quem mantém a vida profissional. o equilíbrio de responsabilidades e a manutenção da vida profissional dos dois parece-me o mais lógico. parece-me também lógico que patrões e chefias têm a responsabilidade social de facilitar a vida a quem está nesta situação. parece-me também lógico que as crianças, as com deficiência e as outras, são um bem colectivo, o futuro do nosso país, da nossa sociedade, e devem ser assumidas como responsabilidade colectiva. mas pelos vistos, como se costuma dizer, a lógica é uma batata. podre.

sábado, fevereiro 02, 2008

2008 entrou veloz...

quebra-se aqui uma pausa mais prolongada neste blog. 2008 entrou veloz e o 1º mês passou num instante, entre os múltiplos afazeres do dia-a-dia e a necessidade de descanso aos fins-de-semana. isto não quer dizer que tenhamos passado do "weekly report" para "monthly report". a verdade é que muitas vezes não sei o que dizer aqui, embora me apeteça escrever. às vezes, também, pergunto-me para que serve afinal este blog. partilha, desabafo, and so on. já o disse aqui, a vida com uma criança portadora de deficiência tem fases de perfeita "normalidade", em que não há grandes avanços ou grandes retrocessos. janeiro tem sido assim. a meio do mês tivemos consulta de neuropediatria. a epilepsia parece controlada, mas mesmo assim a neuropediatra achou que havia alguma actividade paroxística, manifestada principalmente por desvios da comissura labial para o lado direito, pequenas coisas quase imperceptíveis para quem não estiver atento. introduziu-se novo medicamento que ainda estamos a ver se dá resultado ou não. para já parece ter havido melhoras, mas ainda não limpou por completo, para usar a expressão da neuropediatra. se der resultado, entraremos na fase de retirada de um dos outros medicamentos, fase essa que será de retirada gradual, vulgarmente conhecida por desmame. esta questão do controlo da epilepsia tem mais que se lhe diga e é um pouco cansativa. mas o que interessa é que a fase das crises atónicas sucessivas passou e o pedrito tem podido fazer uma vida muito próximo do normal.

a nossa principal preocupação agora é com o desenvolvimento e o potencial intelectual do pedro. a diferença entre ele e os coleguinhas que são apenas surdos é cada vez mais notória, o que nos deixa tristes. se calhar não temos investido muito nesta área, mas não podemos ser superpai e supermãe, terapêutas, professores, suprirmos todas as necessidades especiais do nosso pedro e fazermos todo o "trabalho de casa" que médicos, terapêutas e professores nos marcam. caramba, somos humanos e limitados e temos as nossas necessidades também. necessidades de tempo e de espaço próprios. a questão que por vezes se põe é se ele consegue chegar a patamares de desenvolvimento cognitivo mais tarde do que os outros ou se não consegue chegar lá. o potencial cognitivo do pedro sempre foi um grande enigma para nós. aqui, como noutras áreas, não vale a pena ter pressas e entrarmos em grandes stresses, só o tempo o dirá. o que interessa é que ele vai fazendo aquisições, ampliando o vocabulário gestual, permitindo que a comunicação seja mais completa e rica.

são muitas as frentes em que temos que actuar. desenvolvimento motor, cognitivo, surdez e comunicação, epilepsia, integração social, etc. cada uma requer aprendizagens da nossa parte e da parte dele que normalmente as outras pessoas não têm que fazer. a vida laboral está tão exigente para nós como para qualquer pessoa, até porque somos pessoas que nos dedicamos às nossas profissões com empenho e com brio. às vezes parece que não conseguimos cumprir todas as exigências que a vida nos põe. reagimos apenas, ou ainda temos forças e disponibilidade para agir? e nós como pessoas, onde ficamos? o pedro tem uma dependência de nós que os outros miúdos de 8 anos já não têm. embora o nosso amor por ele seja infinito, às vezes temos necessidade de espaço próprio e não tenho vergonha em admitir que nos sentimos um pouco "fartos" da sua dependência em coisas tão simples como ir à casa de banho ou brincar.

bem, acho que chega por hoje, o post já vai bem longo e tudo isto são assuntos que não se esgotam nestas linhas...

sábado, janeiro 12, 2008

Educação Especial

Depois de escrito o Post sobre "American Beauty", achei por bem partilhar esta informação, que também foi falada e discutida na reunião sindical, leiam com atenção pois no que respeita ao Ensino Especial há alterações significativas.

O novo diploma define apoios especializados para crianças e jovens com necessidades educativas especiais permanentes
8 de Jan de 2008

O Ministério da Educação definiu os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário visando a criação de condições que permitam dar respostas adequadas aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente.

http://www.min-edu.pt/np3/1535.html

VIVER DEVAGAR

Pode parecer estranho estar a publicar uma imagem do filme "American Beauty" no blog do Pedro, mas dei comigo a ler um comentário da Cristina que também tem um blog chamado "Viver Devagar" e a pensar no meu dia de hoje, aulas pela manhã, reunião sindical também pela manhã, almoço em casa, ida ao veterinário com a minha cadela que se chama Carlota, fazer uma esterilização, um pouco de descanso em casa, chegada do Nélio com o Pedro, ambos também cansados, depois de uma semana de trabalho e de Escola, enfim poderia continuar e suponho que não quero reviver outra vez as inúmeras coisas que tiveram de ser feitas ao longo do dia, dos dias e da semana deste novo ano que aqui e com o pessoal desta casa decidiu apresentar-se como apressado e cheio de compromissos inadiáveis. Por vezes peço um pouco de silêncio, um pouco de calma, um pouco de paz e dizia no comentário à Cristina que na reunião sindical que tive com os meus colegas de trabalho dei por mi a dizer: Lembram-se do filme American Beauty e do momento mágico em que o jovem e a jovem namorados visionam o vídeo filmado pelo rapaz e no qual aparece um saco de plástico esvoaçar ao sabor do vento?
Vejam o filme se ainda não o viram e tentemos aplicar o apelo da Cristina, viver devagar.

domingo, janeiro 06, 2008

4 de janeiro

recordo o dia 4 de janeiro, o dia em que o pedro saiu da unidade de cuidados intensivos, quase como um segundo aniversário dele. recordo perfeitamente o momento em que deixámos para trás o hospital e ficámos responsáveis pelo pedro, sem a almofada de confiança que o pessoal da unidade de cuidados intensivos foi nas primeiras semanas de vida dele. recordo o sabor da vitória, da nossa primeira vitória sobre os problemas que ameaçavam a vida do nosso terceiro filho, e recordo como esse sabor de vitória estava contaminado com um tom amargo, com o peso imenso de todas as incertezas, de todas as nossas inseguranças. é espantoso pensar tudo o que evoluímos desde esse dia. como o tom amargo se tornou primeiro familiar e depois adquiriu um sabor adocicado, como a realidade se transformou, tudo o que tivemos que aprender, quisessemos ou não. serve para isto a memória. para nos reposicionarmos, para analisarmos caminhos percorridos, para nos compararmos, então e agora.