a zanga
zanguei-me com o pedro. foi na segunda de manhã, ao pequeno almoço. os níveis da molenguice matinal do senhor pedro têm vindo, nos últimos tempos, a aumentar gradualmente. como a maior parte da crianças, não sabe o que é a pressa. para ele, o pequeno almoço pode perfeitamente durar mais de meia hora, que não há problema. mas além da molenguice, sua excelência tem vindo a ensaiar birras de não querer beber o leite, ou querer que lho dêem à boca. a lei do menor esforço. com os outros dois, quando eles ensaiavam este tipo de comportamentos, não havia problema: ála para a escola sem comeres. mas o pedro tem que tomar aquela catrefada de antiepilépticos e custa-me dá-los sem ele ter nada no estômago. segunda feira, no meio da molenguice, acabou por entornar o leite com cerelac por cima da roupa toda. camisola e calças em papa. como é que uma pessoa se passa em língua gestual???? dois berros e uma chapada. ficou de trombas, verdadeiramente chateado. mudança de roupa, preparar novo copo de leite, e o tempo a passar... lá conseguimos sair de casa, atrasadíssimos, e o pedro sempre muito cabisbaixo, a choramingar. amuo constante no trajecto casa-escola, de vez em quando um soluço, muito tristonho. quando saímos do carro, reparo que tem uma ferida no lábio. ou foi da chapada ou das tentativas de o forçar a beber o leite. chegamos à escola, ele sempre muito tristonho, conversa com a professora de como foi o fim de semana, o que fizemos, para depois ser explorado em sala de aula, o ritual de segunda feira. deixo-o e vou trabalhar. a meio da tarde a mãedopedro telefona-me e pergunta-me se eu tinha batido no pedro de manhã. repondo que sim e ela diz-me: ele contou tudo na escola, toda a gente ficou a saber. lá se foi a minha reputação de pai dedicado e paciente. apanho-o à saida da escola e no trajecto para casa continua amuado. pelo retrovisor, relembro-lhe a cena do pequeno almoço e peço-lhe desculpa por lhe ter batido. um sorriso ilumina-lhe imediatamente o rosto e pede-me um beijinho. tinhamos feito as pazes. no outro dia de manhã, a professora contou-me então que à hora de contar o fim de semana, o pedro, que normalmente dá muito pouca informação, achou que era a hora de contar o que o bruto do pai lhe tinha feito. a choramingar, pôs tudo a nú. o pai bateu, o leite derramou na roupa, ficou tudo sujo, o pai zangou-se e bateu. pode parecer trivial, mas para a escassez de informações que o pedro dá na escola, em relação ao que se passa em casa, isto é digno de registo. deve ter sido a primeira vez que ele contou uma situação com tanto pormenor. devo acrescentar que, ontem e hoje, os nossos pequenos almoços têm decorrido em perfeita paz.