10 anos. consulta pela manhã. fisiatria, com toda a equipa: fisiatra, terapêuta, a nova fisiatra que vê os meninos na a.p.p.c., técnico de ortótica, neuropediatra chamada do gabinete ao lado, para dar instruções de ajuste da terapêutica da epilepsia em função dos últimos doseamentos dos fármacos no sangue. as botas que o pedro usa, com um aparelho metálico quase até ao joelho, já sucumbiram ao verão, à marcha, ao esboço de corrida, aos pontapés enérgicos nas bolas. seria bom um novo par, mas o fisiatra decide que temos que mudar de estratégia. o pedro autonomizou a marcha, mas em posição deficitária, que não lhe oferece estabilidade para o pulo de crescimento que se espera para daqui a 2, 3, 4 anos. poderá colapsar e não ter forças nas pernas para aguentar o crescimento de um tronco de homem. precisa de talas, que o obriguem verdadeiramente a fazer a extensão dos joellhos a cada passo. programar toxina para janeiro, seguido de período de 4 semanas de fisioterapia intensa, com ênfase especial nos alongamentos. é bom que resulte, senão o único recurso será a cirurgia. e gato escaldado de água fria tem medo. fala-se num centro no estrangeiro, em portugal não há uma escola de cirurgia na paralisia cerebral, os cirurgiões limitam-se a repor a normalidade anatómica, esquecendo-se que o funcionamento neurológico não saberá utilizar aquela normalidade, já o provou não sabendo utilizá-la ao longo do desenvolvimento do pedro. a consulta acabou, os aparelhos que ajudaram o pedro a adquirir a marcha autónoma tornaram-se obsoletos. levo o pedro à escola, a recepção é calorosa: parabéns pedro, dizem colegas, professores, formadoras de língua gestual e auxiliar. aprendo pela primeira vez, como se faz correctamente o gesto de parabéns: as duas mãos no ar, com as costas voltadas para fora, fazem dois ou três gestos enérgicos para a frente. vou ao supermercado em frente comprar um bolo de bolacha e duas, sim, pela primeira vez duas, velas para o pedro apagar com os meninos da unidade de surdos. almoço com a mãedopedro. há tanto tempo que não almoçávamos só os dois. ilha de faro, uma esplanada, o sol de outono com um pouco de neblina do mar. centro comercial, ainda não tinhamos tido tempo para comprar os presentes para os miúdos. o irmão do pedro vem jantar, já está a estudar fora de casa, hoje completa 21 anos. para o pedro era giro uma tabela de basket, para colocar na parede do quarto. além do puto adorar bolas, favorece-lhe a extensão, atirá-las para cima. para o irmão do pedro, uns agasalhos e dinheiro, dá tanto jeito uns trocos extra quando se está na universidade, com mesada e gestão de uma casa e de uma vida autónoma, pela primeira vez na vida. pastelaria para levantar os bolos encomendados na véspera, últimos preparativos para jantar, os talheres, os copos e os pratos especiais, avós, padrinhos, tio, conversa, risos, medicamentos ao pedro com o ajuste decretado pela neuropadiatra, bolos, fotografias, o pedro cede ao sono e ajudo-o a deitar-se, despedidas, máquina de lavar louça cheia, post no blog, enquanto a mãedopedro conversa com a madrinha do pedro, que ficou até mais tarde.