noção proprioceptiva e heminegligência
hoje estava com o pedro na caixa do supermercado, a colocarmos as compras no tapete rolante, e dei por mim a observar como o pedro usa actualmente a mão direita (o lado lesado) quando precisa dela. eu passava-lhe os artigos e ele apanhava-os um em cada mão e ia-os dispondo no tapete. lembrei-me dos primeiros tempos e da luta que foi para ele vencer a heminegligência direita. como a mão não era eficaz na preensão, tinha tendência para esquecê-la. na altura explicaram-nos que o cérebro vai construindo a imagem do corpo à medida que os estímulos vão chegando vindos das diferentes partes que constituem o todo. quanto mais um determinado segmento é utilizado, mais se reforçam as ligações neurológicas e as vias de controlo. se, devido à lesão, o segmento não se mover expontâneamente, as vias alternativas não se estabelecem e o cérebro não toma consciência desse segmento. quando nascemos, não temos noção dos limites do nosso próprio corpo, esta noção proprioceptiva é construida à medida que aprendemos a utilizar e controlar todos os segmentos, à medida que os músculos vão enviando estímulos através dos neurónios motores e as ligações entre os vários neurónios das vias motoras se vão estabelecendo. durante muito tempo o pedro apresentava pois esta negligência em relação ao braço direito, às vezes era como se aquele membro não fosse dele, como se ele não tivesse qualquer controlo. foi à custa de muita estimulação e de forçar que ele utilizasse a sua mão direita que conseguimos que ele a incorporasse no seu esquema corporal, na sua autopercepção. lembro-me que o forçavamos a utilizar o braço e a mão direita colocando objectos fora do alcance do lado esquerdo. mesmo assim, a tendência dele era para se movimentar de modo a que a mão esquerda chegasse ao objecto. frequentemente tinhamos que inibir o braço esquerdo e forçá-lo a utilizar o direito. outra guerra foi o desenvolvimento das reacções protectoras de extensão nesse lado lesado, mas também isso foi conseguido à custa de muita persistência. claro que, ainda hoje, a mão direita do pedro não é eficaz em termos de motricidade fina, mas actualmente é um auxiliar precioso para as actividades bimanuais e mesmo para algumas actividades monomanuais. o trabalho de estimulação nos primeiros tempos foi crucial nesta conquista, por isso partilho isto hoje aqui.