sábado, março 15, 2008

congregação de esforços

um dos aspectos que mais me desagrada neste processo de habilitar uma criança portadora de deficiência é a dependência em relação aos outros. nunca fui propriamente uma pessoa que confiasse na sociedade e nas outras pessoas, sempre procurei ser autossuficiente, não depender dos outros, embora cá dentro gostasse que a sociedade fosse mais fraterna, mais aberta às diferenças individuais, e tenha uma postura na vida de disponibilidade para a sociedade. não sou propriamente um bicho do mato, que vive à margem das estruturas sociais. só não confio cegamente que cada um dá o melhor de si, desconfio muitas vezes das motivações e das lógicas sociais. acredito que, se queremos mudar a sociedade, temos que o fazer por dentro, adoptando posturas de acordo com aquilo em que acreditamos. às vezes penso que a vida, ao apresentar-me este desafio que é ter um filho com deficiência, me quis dizer "tu, que tens a mania que passas bem sem os outros, que tens a mania que não precisas da sociedade para viver, que és tão crítico em relação ao seu funcionamento, vê lá se te aguentas com esta. agora cria lá este filho sem a intervenção das estruturas sociais, a ver se consegues". claro que para criar qualquer filho precisamos das estruturas sociais, quanto mais não seja da estrutura escola. mas com os irmãos do pedro conseguia-se e consegue-se gerir a questão com alguma simplicidade, falando sobre as coisas e estimulando, neles também, o espírito crítico. com o pedro é realmente diferente. precisamos da intervenção de uma série de profissionais e de estruturas. médicos, terapeutas, educadores, hospitais, escolas, associações, cada uma com a sua lógica interna de funcionamento, com as quais muitas vezes não concordo, não percebo, mas não posso pura e simplesmente virar as costas e dizer "tchau, passo muito bem sem vocês". mais, precisamos não só desses profissionais e dessas estruturas, mas também da sua articulação e congregação de esforços, pois só assim se conseguirá optimizar o potencial, já de si reduzido pelas lesões deixadas pelo maldito vírus, do pedro.

estes 8 anos com o pedro não me mostraram, de maneira nenhuma, que eu estava enganado em relação à nossa sociedade e ao seu funcionamento. se tem havido algumas estruturas que me têm surpreendido pela positiva, pelo carinho e competência com que lidam com o pedro, outras há que, apesar da boa vontade de alguns profissionais, têm lógicas de funcionamento que me escapam por completo. estruturas onde as pessoas põem o seu ego à frente da missão da estrutura que dirigem ou na qual estão integrados. a articulação e congregação de esforços tem sido mesmo a parte mais difícil de gerir. tantas vezes que tem falhado e continua a falhar. há boas estruturas que funcionam bem internamente, mas não se articulam com as outras. e quando estamos a lidar com multideficiência isto torna-se muito complicado, pois é crucial que as estruturas dialoguem umas com as outras, aprendam umas com as outras, que as pessoas estejam abertas aos conselhos e ensinamentos dos outros. da nossa parte, pais, vai surgindo um certo cansaço de estar sempre a insistir nos mesmos pontos, nas mesmas teclas: vejam lá, é preciso reunirem-se com as outras partes, falarem uns com os outros, criarem hábitos de troca e partilha de informações. regularmente e não apenas quando os chatos dos pais insistem muito.

ontem à noite vimos na rtp2 um documentário sobre os soldados norteamericanos mutilados na guerra do iraque. entrevistas pessoais sobre processos de reabiliatação, só possíveis com reais congregações de esforços multidisciplinares. próteses revolucionárias tecnologicamente, técnicas cirurgicas avançadas, fisioterapias intensivas, reabilitação psicológica, motora, funcional. e demos por nós a pensar que, se vivessemos nos estados unidos, o mais certo era o pedro já estar mais habilitado. vivemos num mundo em que a informação circula a uma velocidade impressionante. os maiores avanços da ciência estão ao alcance de um click no rato. então porquê estas assimetrias? qualquer dirigente tem a oportunidade de contactar com as mais modernas técnicas de gestão, qualquer profissional tem a oportunidade de aprender as mais modernas técnicas na sua área. é só querer.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pai do Pedro,
Também me sinto assim como tu em relação as várias terapias a que minha filha está submetida, que por vezes não concordo, mas pelo seu bem e na tenativa de integrá-la socialmenete "suporto"...
não posso mais simplesmente dizer : "estou cansada de vcs", ela precisa de tratamento intensivo e constante e de uma equipe multidisciplinar.
Sua deficiência me mostra todo dia o quanto me julguei auto-suficiente, porém o quanto agora sou dependente - por ela - de terceiros, estranhos a nossa relação indiferentes ao meu amor e suas "pequenas vitórias".
Súde para o Pedro!
Força sempre para vc e sua família!
Cláudia

Anónimo disse...

Pois, o que dá que pensar é que muitas vezes o que falta mesmo não são recursos humanos ou tecnológicos ou monetários às vezes o que falta mesmo é vontade de mudar e alguma coordenação... e isso é que é defacto triste...

Cristina
http://blogs.clubedospais.pt/ccsantos

CláudiaMG disse...

Bom Dia

Mais um excelente post!
Relativamente à depedência que acabamos por ter quando temos em mãos crianças especiais é enorme e só quem passa por elas é que percebe a nossa realidade. Cá por casa estamos tão dependentes que até a simples ideia de mudar de casa 8relativamente à localização) nos colaca um problema acrescido, visto actualmente estarmos muito bem situados face às infra-estruturas que utilizamos habitualmente.

Beijinhos

Cláudia, Madalena e Guilherme