aceitar
num comentário a um dos primeiros posts, perguntavam-me quanto tempo demorámos a aceitar o nosso filho. pergunta difícil esta. os primeiros tempos foram tempos de um turbilhão de sentimentos. o pedro estava doente, numa incubadora, e a primeira atenção foi para a preservação da vida. havia principalmente sentimentos de protecção. depois, quando chegámos a casa com o pedro, passado o perigo de vida, o chão fugiu-nos debaixo dos pés. a mistura de emoções continuou. amor, choque, negação, rejeição, medo e culpa. o amor natural por um filho, o choque perante uma situação grave inesperada, a negação, não, aquilo não nos estava a acontecer a nós, a rejeição animal pela cria imperfeita, o medo de não estarmos à altura daquilo que prevíamos ser necessário, e a culpa por termos servido de veículo para a infecção. penso que a maioria dos pais nesta situação passa por tudo isto. foram tempos de incerteza, de indefinição dos problemas. foram tempos também de pesquisas exaustivas na net sobre as possíveis consequências do vírus, de incessantes consultas de neuropediatria, surdez, oftalmologia, fisiatria, mas aos poucos fomos montando um novo esquema de vida, criando uma nova rotina com estimulações, terapias, etc. etc. e por outro lado havia os normais cuidados necessários a uma nova criança. os banhos, as refeições, as fraldas, as massagens e tudo o resto. durante muito tempo, pensavamos na criança que poderia ter nascido, como seria o pedro se não lhe tivesse acontecido o que aconteceu. os especialistas destas coisas chamam a isto fazer o luto da criança normal. quanto tempo leva? quanto tempo levou para nós? não sei precisar. suponho que deve variar muito, depende de muita coisa, inclusivamente das perspectivas de vida de cada um, da capacidade de olhar para a vida com relatividade. depende dos sonhos, dos objectivos. pela minha parte sempre olhei para a vida sem grandes certezas. e cada vez mais me convenço que a vida é para ser vivida dia a dia, dando valor às pequenas coisas, valorizando mais o caminho que se percorre e o que se aprende ao longo dele, do que os objectivos que estão no fim desse caminho. mas voltando à questão inicial, quanto tempo demorámos a aceitá-lo. não sei responder. talvez o tenhamos aceitado desde sempre, porque ele precisava de nós. penso que o que muitas vezes complica este precesso é a importância que muitas pessoas dão à aceitação e inserção social. vivemos numa sociedade em que o modelo veiculado a toda a hora pelos media é asséptico, perfeitinho (seja lá o que isso for) e normalizado. pelo meu lado, sempre achei que o interesse disto tudo é a diversidade...
14 comentários:
Bem, paidopedro, vais rever alguns capítulos da minha tese... Conceitos: identidade, normalidade, gestão de corpos e de espaços, manipulação, poder, formatação. Há alguns livros que falam destas problemáticas: Estigma, de Goffman, por exemplo. Desconstrói completamente os nossos conceitos tradicionais. Outros autores como Baumann e Georges Canguilhem escrevem sobre conceito de Identidade e Normalidade. Claro que sim, obviamente, são construções de poder não só dos media mas da sociedade em geral. Não nos sabemos sequer colocar no lugar do outro, quanto mais aceitar a diferença que daí advém...
Abraço grande.
Muito obrigado por me ter respondido. Traduz muito bem aquilo que sentimos. Sou professora e trabalho diariamente com 2 crianças com paralisia cerebral, logo tenho uma visão/experiência diferente. Sou mãe e tenho dois filhos saudáveis.
Quanto à minha sobrinha, temo que tenha falta de algo mais que apenas a fisioterapia que faz três vezes na semana. È tambèm acompanhada pela "Intervenção Precoce". Tento ajudar com a formação que tenho, sou formada em Ensino da Biologia e muita força de vontade em ajudar, mas tenho momentos que não me querem ouvir quase por castigo, ou seja, "os teus filhos são saudáveis tu não sabes o que é passar por isto". O meu filho mais novo é da idade da minha sobrinha. Os pais são relutantes a qualquer tipo de exames que lhes possa fornecer um diagnóstico desfavorável. Muito obrigado por tudo. Um abraço.
Realmente...concordo com todo esta confusão de sentimentos, ao principio...mas depois no meu caso pensamos "agora que aconteceu temos que lutar para a frente"aceitamos(mas ao principio eu tb fiquei com muitas duvidas) todos os exames para que o diagnostico fosse o mais correcto possivel e apartir dái começar com todas as terapias ... sem sombra de duvida devemos aceitar todos os exames para o diagnostico ser o mais correcto possivel...e se aceitarmos a situação tudo depois é mais facil...
Jokitas
Carla
Que post delicioso. Eu tb irei escrever um dia sobre este assunto...
Concordo tanto contigo !!! O dia é para ser vivido. A alegria encontra-se dia´riamnete nas pequenas coisas...sempre fui uma pessoa muito "calculista" a nível de grandes objectivos, planeamentos...nunca deixei a vida fluir...MUDEI !!! E ainda bem...e tudo graças ao MEU Pedro. Beijinhos
para a lina: parece-me que no caso dos pais da sua sobrinha, ainda há um longo caminho a percorrer em termos de aceitação. não adianta esconder a cabeça na areia porque o tempo vai passando e os primeiros tempos são cruciais. é lógico que em relação aos exames há sempre um receio de clarificar a situação. lembro-me muito bem de quando o pedro fez a ressonância magnética. talvez os pais da sua sobrinha não estejam a ser bem acompanhados em termos médicos e psicológicos. ´
já lhes falou deste e dos outros blogs? talvez a sua leitura os pudesse ajudar. também estou à disposição por mail.
Olá pais do Pedro!!
Benvindos à blogosfera e a este núcleo de amigos virtuais que se forma, tendo por ligação os nossos filhotes muito especiais!
Sou mãe de um menino com Paralisia Cerebral (hemiparésia- lado direito) e Fibrose Quística, sou professora e estou a terminar uma especialização em educação especial.
As vossas palavras aqui escritas tocaram-me profundamente, porque vos entendo, por que vos percebo... porque percebo as vossas dificuldades e a alegria das vossas conquistas.
Vivo no Porto (não sei de onde vocês são...) e, ou pessoalmente ou por email/blog, estou disponivel para vos ajudar no que me for possível!
Se tiverem curiosidade deem um saltinho ao meu blog, vejam também os links de "blogs/sítios especiais" e "mamãs especiais"... tantos testemunhos... tantos pais... que de um modo ou de outro se poderão ajudar.
Um beijão grande para toda a vossa família, em especial para o Pedro!!!
Cláudia
PARABÉNS PAI DO PEDRO, MÃE DO PEDRO, IRMÃOS DO PEDRO.
Tenho a certeza que todos Vós aceitastes o PEDRO desde SEMPRE...por que sois maravilhosos. Afinal que importância tem o que a sociedade considera normal?
"O QUE É SER NORMAL" " O QUE É SER REFERÊNCIA"? ...não serão, por acaso ,todos estes conceitos, limitações por nós próprios impostas? Não serão mera consequência da "formatação" a que sujeitamos a nossa existência?
Será que a Natureza, com toda a sua beleza e em toda a sua diversidade, tem algum padrão para definir (im)perfeições...
A VIDA (na sua mais ínfima essência biológica) é um somatório de perfeições e de diversidades … onde cada átomo representa um UNIVERSO de AMOR.
O PEDRO é perfeito… os PAIS também o são. E tal como a criança desta fotografia, que bem poderia ser o PEDRO, continuai em frente, a construir o vosso caminho como o tendes feito ….COM MUITO AMOR
PARABÉNS PEDRO, de certeza que não podias ter encontrado melhor FAMÍLIA.
OBRIGADA POR EXISTIRDES NA MINHA VIDA
um ABRAÇO muito apertadinho
Pais do Pedro, O Pedro é um menino muito amado e isso é que é importante, num dos meus post tive um comentário de alguém que me dizia que o amor também cura, é mesmo verdade, claro que cura e ajuda os nossos meninos a irem á luta e a estarmos sempre ao lado deles com um apoio ilimitado.
Todos os meninos especiais têm pais especiais e cada vez me convenço mais que as coisas não acontecem por acaso, vocês não acham que realmente as crianças especiais tem com elas pessoas fantásticas? eu cada vez tenho mais essa percepção da realidade.
Tudo de bom para a vossa alcateia
lobita: infelizmente sei que nem todos os meninos "especiais" têm pais especiais. há uns meses atrás, enquanto esperava para a consulta de fisiatria, vi um miúdo de 9 anos completamente "enrolado", resultado de uma evolução sem qualquer intervenção terapêutica. ao comentar o caso com o fisiatra, ele disse-me que não era caso único. infelizmente nem todas os pais têm abertura mental, cultura, disponibilidade. não tomemos a parte pelo todo. este grupo de pais dos blogs não representa a realidade que está lá fora...
Já falei deste e de outros blogs aos pais da minha sobrinha, no entanto eles parecem ignorar por completo. E por saber a realidade que está lá fora... Tenho muito medo de não me "meter" o suficiente e laméntá-lo para sempre, porque como diz, os primeiros tempos são cruciais.É como se existisse uma barreira entre o mundo exterior e os pais da minha menina. Como pode calcular não sou a única pessoa da família empenhada em ajudar e que também pode ajudar com a sua formação, mas são justamente esses os mais repelidos. Estamos à espera que arranjem coragem para fazer a ressonância magnética, mas ainda não lhes passou a "raiva" ao médico que a prescreveu. É tão difícil ver a dor com que lutam. Os psicólogos tentam ajudar, mas não está a ser fácil. Um abraço. Lina
lina: volto a dizer que estou "available" por mail. não me quero intrometer, mas se for preciso eu escrevo-lhes, é só dizer-me o mail deles. se quer um conselho, meta-se, zangue-se, seja "chata", mas sem ir áquele ponto em que o contacto se quebra. alguém tem que quebrar esse muro que eles estão a erguer à volta deles...
Agradeço mais uma vez a disponibilidade. Vou averiguar a possibilidade. Talvez seja mais fácil depois do diagnóstico com a ressonância magnética. Um abraço. Lina
Ola. É a primeira vez que deixo um comentário aqui 'deste lado' e só queria dizer que este blog faz parte da minha leitura diária. Pela autenticidade, pela sensibilidade, pela emoção que passa através das teclas, por tudo quanto tenho aprendido aqui para mim e para o meu dia a dia profissional.
Parabéns pela força, pela coragem, pelo Amor, por tudo quanto conseguem dar a um menino que conhece aquilo que muitos nunca sentiram: O amor incondicional e a mão carinhosa e sensível que ajuda a subir o próximo degrau.
Nem todas as pessoas têm recursos internos para conseguirem dar. A ferida que fica na alma quando não se conheceu o amor incondicional na infância poderá ser mais limitante que a deficiência física.
O Pedro é um menino com sorte.
É muito bom ler este blog.
Bem Hajam e felicidades para o Pedro e para a Família.
marina, seja bem vinda a 'este lado'
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